A chegada a Ponta Grossa, vindo de Curitiba, quando se alcança o Distrito Industrial, cinco quilômetros antes da cidade, proporciona uma bela visão da silhueta urbana, que se alteia sobre o horizonte de colinas suaves dos Campos Gerais. Uma visão que já inspirou muitos viajantes, de hoje e de antigamente, a traduzir em belas palavras o sentimento de acolhida e de boas-vindas daqueles que divisam a Princesa dos Campos, seja ela o lar ou uma passagem de um percurso maior.
Mas neste último sábado, 7 de setembro de 2024, o sentimento de alegria do retorno ao generoso lar foi-nos substituído por outro: de desolação, de preocupação. Quase não se via a silhueta da cidade, embaçada pela densa e esbranquiçada névoa seca, um eufemismo para a fumaça vinda das insanas queimadas na Amazônia e no Pantanal. Que paradoxo! Os chamados “rios voadores”, que trazem a umidade da Amazônia para dessedentar e fertilizar o Sul e Sudeste do Brasil, agora traz fumaça! Junto com massas de ar quente e seco, que subvertem a normalidade climática.
O impacto visual não chega sozinho: a água da pífia chuva da semana anterior, que coletamos no quintal, que escorreu pelos telhados, ficou enegrecida com a fuligem finíssima depositada pela névoa seca; a população é acometida de um surto de doenças respiratórias, e já não se encontram umidificadores nas lojas especializadas; os agricultores anunciam colheitas antecipadas e perda de safras; o preço de alguns produtos, tais como açúcar, feijão e carne, ficam mais caros em consequência das queimadas e da seca; a tarifa da energia elétrica sobe para o vermelho, pelo imperativo de ativar as caras e poluentes termelétricas…
Estaremos já vivendo a anunciado apocalipse, resultante da desmedida incúria humana, que incendeia as florestas que são a fonte da vitalidade de grande parte do Brasil? E estes sinais ambientais de nossa insensatez vêm acompanhados de outros: o endeusamento do dinheiro e do mercado; a mentira mais crível que a verdade; o egoísmo suplantando a solidariedade; a tolerância cedendo aos extremismos; as guerras de extermínio e de dominação; a boçalidade de homens e mulheres candidatos a parlamentares; a falência da democracia representativa transformada em plutocracia; os milhões de refugiados da fome e da violência mundo afora…
Vivemos um momento em que a barbárie está superando a civilização. Urge uma mudança drástica, uma revolução, antes que a espécie humana cometa sua autoextinção e a devastação das condições da Terra suportar a vida. Não é uma revolução nos sistemas políticos, econômicos ou sociais. Estes são só o espelho da conduta humana. A revolução inadiável é no comportamento humano. Se lograrmos transformá-lo, tudo se beneficiará. Sim, somos seres muito complexos. Convivem em nosso íntimo contraditórios impulsos de destruição e de construção, de competição e de solidariedade, de violência e de paz, de cupidez e de generosidade. É a hora de escolhermos os impulsos construtivos, amorosos.
A engenhosidade da humanidade é caprichosa: ela pode criar novas plantas alimentícias, curar doenças, enviar-nos à Lua, ou pode dizimar-nos numa guerra nuclear, deteriorar as águas, os solos, o clima… Dilemas que precisam ser resolvidos com ética, com solidariedade.
Ou não será possível reverter a catástrofe que estamos cultivando.
*O autor é geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG