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“Agressão nua e crua”, por J.R. Guzzo

Foto: Divulgação

É mentira, para usar uma palavra descomplicada, que o Tribunal Superior Eleitoral, repartição pública encarregada de organizar e de apurar eleições para cargos públicos, esteja querendo impedir a circulação de notícias falsas sobre a disputa presidencial de 2022 ou sobre a qualidade do sistema eletrônico de votação – coisa, pelo que diz a lei, que não tem absolutamente nada a ver com suas funções.

O que o TSE, braço do Poder Judiciário presidido em sistema de rodízio por ministros do STF, está fazendo é silenciar a imprensa de direita, ou conservadora, ou anticomunista, ou a favor do presidente Jair Bolsonaro, e que se manifesta através das redes sociais.

Na vida real e em termos práticos é isso, exatamente, que o corregedor do TSE acaba de decidir: as grandes plataformas que operam as redes sociais de comunicação, como YouTube, Facebook, Twitter etc., ficam proibidas de pagar o que devem pela publicação de conteúdo editorial produzido pelos canais de direita.

É o pior ataque à liberdade de imprensa desde a ditadura do Estado Novo nos anos 30 e 40, quando a vida dos órgãos de comunicação era controlada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do governo.

Alguém se lembra de algum outro? Nem durante o AI-5, que podia tudo, o regime militar colocou no papel, em letra de fôrma, uma agressão ao direito de livre expressão tão nua e crua quanto essa que o TSE faz agora.

Pelo que sustentam o corregedor e a polícia, os canais direitistas foram punidos por publicarem “fake news”, como eles dizem, assim mesmo em inglês. Quais? Basicamente, afirmações a favor do chamado “voto impresso”, contra o atual sistema de votação eletrônica e, em geral, levantando a possibilidade de fraude na apuração das eleições de 2022.

Por que isso seria falso o TSE não comprova, nem pode comprovar, mas o centro do problema não está aí. A questão toda, na verdade, poderia começar e acabar com uma pergunta só: onde está escrito, em qualquer lei hoje em vigor no Brasil, que é proibido publicar notícias falsas, ou punir os veículos que as publicam?

O artigo 5 da Constituição Federal diz apenas o seguinte: “É livre a manifestação do pensamento”. Só isso, mais nada – não há exceções. Não está escrito que o pensamento é livre “salvo se der notícia falsa”, ou “salvo se o corregedor do TSE não quiser” Muito bem: se não está escrito, não vale nada. Ninguém, como diz essa mesma Constituição, está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.

Por que raios os canais direitistas teriam a obrigação de concordar com o que os tribunais superiores acham do sistema eleitoral do Brasil, e dizer que ele é uma maravilha? Se não há lei nenhuma proibindo a divulgação de notícias falsas, ou verdadeiras, ou de qualquer tipo, a decisão fica incompreensível.

A questão seguinte é igualmente um enigma. O que é, em português claro, uma notícia falsa – e quem decide, na prática, se uma notícia é verdadeira ou não é? O corregedor do TSE? Dizer que o voto eletrônico, como ele é hoje, está sujeito a fraudes é falso, segundo a polícia e o TSE. Quem disse? Existe alguma lei afirmando que o atual sistema de votação é perfeito, ou que é impossível haver fraude?

A verdade, que os tribunais jamais vão admitir, é que só há um juiz verdadeiro para essa questão: o público, o único que pode decidir se algo é mentira ou é fato. É ele quem acredita – ou não.

O decreto do corregedor, com o apoio pleno do STF, diz que a “autoridade” resolve isso por ele. É simples: um burocrata e uma delegada de polícia estão decidindo o que o povo pode ou não pode ouvir durante a campanha eleitoral Onde está a democracia nisso tudo?

J.R. Guzzo é jornalista.

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