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Os sovietes tupiniquins

            Mais uma vez nos deparamos com a ambiguidade do rótulo democrático. O decreto 8.243, de 23 de maio, que cria a Política Nacional e o Sistema de Participação Social, autoriza o governo a criar conselhos consultivos para discutir suas ações. Na fala governamental, é uma medida democratizante e garante a participação do povo nas decisões. Para a oposição, é uma forma de enfraquecer o Congresso Nacional, verdadeiro representante do povo em nosso regime político.

            Seria democratizante se não fosse o próprio governo o encarregado de nomear ou influir na nomeação dos integrantes dos ditos conselhos. Mas, pela própria natureza da coisa, trata-se apenas da reedição dos conselhos operários ou sovietes, que serviram às diferentes revoluções do século passado. Poderão ser usados pela ala mais à esquerda do governo para obstar as ações do Congresso. É por isso que as oposições lutam para aprovar um projeto que revogue o tal decreto. Essa luta meramente ideológica deverá consumir o tempo em que tanto o governo quanto os congressistas poderiam estar cuidando de assuntos mais produtivos.

            É inegável o matiz político-ideológico do governo petista. Embora não abra mão das mordomias do capitalismo, se pudesse, implantaria a ditadura do proletariado, pregada com ardor pelos seus líderes antes da chegada ao poder. Mas o ambiente para iniciativas como a criação dos conselhos já vem de antes. Desde a redemocratização, os eleitos para o governo adotaram por princípio a prática de cooptar os perdedores – oferecendo-lhes cargos no governo e outras benesses em troca do voto de seus partidos – levando a classe política a perder o principal de sua serventia. Pela prática cristalizada, quem se elege para o executivo adquire o apoio dos que perderam a eleição e não sobra ninguém para fiscalizar a atividade do governo, uma tarefa natural dos derrotados. A imagem dos congressistas como legítimos representantes do povo é cada dia mais distante, a ponto de ensejar que, agora, o próprio governo, embora não confesse, tente substituí-los pelos sovietes tupiniquins.

            Não precisamos de conselhos operários ou sociais. A grande necessidade é o fim do loteamento do governo, razão principal da existência da corrupção em nosso país, da venda de votos parlamentares e de horários eleitorais. Partido que ganha a eleição tem acima do direito, o dever de governar. E os que perdem, a obrigação de fiscalizar. Não devem barganhar…

 

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paul (ASPOMIL)

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