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Chico Anísio: a sociologia do humor

Fabio Aníbal Goiris

 

 

No meio das vaquejadas e corridas de jumentos, típico da região de Maranguape, nas proximidades de Fortaleza, no Estado do Ceará, nasceu um argucioso menino. Aos oito anos de idade, mudou-se com sua família para o Rio de Janeiro onde iniciou sua carreira. Menos de 10 anos depois já emergia com o nome de Chico Anísio, quando começou a trabalhar na rádio Guanabara. Nascia o locutor, rádio-ator, redator e comentarista esportivo, mas, sobretudo nascia o gênio do humor. Da mistura do universo folclórico e mitológico que viveu no nordeste brasileiro com a voluptuosa vida cultural do Rio de Janeiro, a metrópole que o acolheu, Chico Anísio construiu a sociologia do humor brasileiro.

A cidade de ‘Chico City’, o seu fabuloso programa de televisão, era povoada de personagens que ajudavam o público a entender o Brasil. Mas, o fascínio cultural de Chico Anísio não se reduzia ao Brasil e aos brasileiros. Os estrangeiros que tiveram a oportunidade de acompanhar religiosamente as falas e costumes dos personagens de Chico Anísio (entre os quais se inclui o assinante deste artigo) receberam em troca a mais extraordinária aula de antropologia cultural jamais igualada nem mesmo por aulas ‘ad hoc’ proferidas em escolas ou universidades.  Seus mais de duzentos personagens criaram um calidoscópio capaz de compreender e apresentar ao público os detalhes, as lendas e as tradições deste país imenso. É difícil esquecer a performance de Roberval Taylor, o principal locutor de Chico City, que, no célebre ‘Jornal do Lobo’, dedicava poesias às mulheres, quem sabe uma lembrança do ‘carnaval das cinzas’ de Maranguape.

         As ‘aulas de sociologia’ de Chico Anísio tinham algo de futurologia política. Tim Tones, por exemplo, mais de vinte anos atrás, já fazia uma paródia dos pastores evangélicos cujo interesse estava voltado à arrecadação de ofertas. Pantaleão, cujo visual se inspirava em Dom Pedro II, era um aposentado que contava histórias falsas e ainda perguntava à sua mulher Tertuliana se estava mentindo. Justo Veríssimo, um político corrupto que possuía ojeriza aos pobres, fazia ilações muito semelhantes a alguns políticos atuais. Mas, obviamente, Chico Anísio sub-repticiamente era um bastião da democracia e apresentava personagens da esquerda tupiniquim tais como o próprio esquerdinha e o notável Setembrino Republicano, um ferrenho opositor político de Canavieria.

           Mas, Chico Anísio era, sobretudo, o mago do humor pelo humor: sem política, sem sociologia e sem artefatos cenográficos.  Azambuja, por exemplo, era um malandro carioca que vivia aplicando golpes em parceria de Linguiça repetindo o bordão de que o bom malandro corre tanto que a sola do sapato não gasta. Coalhada, um jogador de futebol com exasperado estrabismo vivia dizendo que já exibiu seu futebol por diversos clubes que vão do XV de Piracicaba até o Barcelona. Por fim, Chico Anísio deixava também sua mensagem aos brasileiros mais novos através de Jovem, que, por sinal, dispensava a superproteção da mãe. Era um adolescente rebelde conhecido como ‘jovem’ em razão do seu nome: Jo de Jovelino e Vem de Venceslau. Por tudo isto, Chico Anísio dizia: o humor sempre funciona ninguém reclama de rir. Não obstante, as aulas de sociologia do humor infelizmente chegaram ao seu fim. A televisão fica mais jururu e mais tristes ainda ficam os fãs de Chico Anísio, um gênio que veio para desmentir a frase de que ninguém é insubstituível. Chico Anísio é insubstituível.

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O autor é Cientista Político e professor a da UEPG

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