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A desumanização da fila do INSS e os desafios da advocacia previdenciária

Por Vitor Prato Dias

Segundo informações do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, o INSS possuía até setembro de 2020 mais de 1,8 milhão de pedidos de benefícios na chamada “fila nacional”. O que já era inadmissível, agravou-se com a pandemia e o consequente fechamento temporário de agências do INSS. Dados recentes obtidos pelo TCU indicam que houve um acréscimo de 120% da fila após a interrupção do atendimento presencial.

Contudo, este texto não versará sobre números do sistema previdenciário, já que a frieza da análise estatística, inconscientemente, acaba por amenizar a gravidade da situação. Uma abordagem despersonalizada ao assunto faz-nos esquecer que a “fila” é composta, em sua grande maioria, por pessoas em situações de miserabilidade e que têm no tão aguardado benefício previdenciário a sua única fonte de renda.

A Seguridade Social é um instrumento imprescindível para a distribuição de renda, e assume distinta importância em um país desigual como o Brasil. A ineficiência do serviço público em um setor responsável por reduzir situações de indignidade e de extrema pobreza é uma excelente amostra do tratamento atribuído habitualmente a essa parcela da população.

E a atuação do advogado previdenciário escancara o paradoxo existente entre a morosidade do sistema de seguridade social e a urgência dos segurados em situações angustiantes.

A Lei 8213/1991 deixa claro quem são os maiores afetados pela atual crise, ao expor que o sistema teria a função de “assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção” (art. 1º), bem como a necessidade de pagamento dos benefícios até 45 dias (art. 41-A, § 5º). E o art. 49 da Lei nº 9784/1999 diz que a decisão administrativa deve ser proferida em 30 dias.

Desnecessário tecer maiores comentários sobre a discrepância entre a fantasia das normas e a dura realidade enfrentada pelos segurados.

Quando descumpridos os prazos acima mencionados, o instrumento jurídico cabível é o mandado de segurança. Mas, em que pese o Judiciário normalmente acolha pedidos dessa natureza, isto não significa maior agilidade. A Justiça também se encontra assoberbada e a decisão judicial, bem como o seu respectivo cumprimento, não gozam da celeridade necessária. Além disso, uma decisão judicial favorável neste sentido apenas obriga o INSS a dar andamento no processo, não havendo garantias de que o benefício será concedido.

Ou seja: a má prestação do serviço público pelo INSS acaba por sobrecarregar um já assoberbado Judiciário, tomando recursos que deveriam estar sendo destinados para a resolução de outros litígios. Mobiliza, ainda, o sistema judicial para proferir decisões que, muitas vezes, serão inócuas do ponto de vista prático e não resultarão em benefício direto ao segurado.

Feitas as tristes constatações, temos que o advogado deve ir muito além do que apenas buscar formas de judicializar os requerimentos administrativos. Deve, sobretudo, humanizar o atendimento ao segurado e conceder o tratamento digno que fora inicialmente negado pela autarquia previdenciária.

Diante da incontestável desumanização do sistema de seguridade social, a prestação de serviços jurídicos assume especial relevância na resolução de impasses previdenciários e na aproximação entre o cidadão e o órgão estatal.

O conhecimento de normas jurídicas não é, por si só, qualidade suficiente para o advogado previdenciário. Faz-se essencial a compreensão de seu papel social e de que sua atuação consiste, talvez, na última oportunidade que o segurado terá de receber um tratamento digno.

O autor é advogado, sócio do Escritório De Paula Machado Advogados Associados

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