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Fazenda-Modelo: primeiros tempos de 100 anos de história

Marco A. Stancik

Durante o século XIX, relatórios ministeriais insistiam na necessidade de aprimoramento do gado nacional, o qual, segundo se afirmava, era criado solto nos campos, muitas vezes em estado selvagem, resultando na sua degeneração.
Objetivando sanar a situação, tais relatórios afirmavam ser urgente o desenvolvimento de pesquisas em relação às raças que melhor se adaptariam às condições do país, aos cruzamentos e tipos de pastos mais adequados, entre outros assuntos que desejavam deixar a cargo de especialistas.
O mesmo discurso ainda prosseguiria presente na primeira década do século seguinte, até que, em 31 de janeiro de 1912, foi criada a primeira fazenda-modelo patrocinada pelo governo federal, sediada no Rio de Janeiro. Pouco depois, através do Decreto 9.368, de 14 de fevereiro daquele ano, a segunda fazenda era instalada em Ponta Grossa. E prossegue em atividade até o presente.
Acompanhemos suas atividades iniciais, desenvolvidas sob a orientação do primeiro diretor, José Soares Pereira Júnior (1873-1916). Seu primeiro relatório ao Ministro da Agricultura criticava a prática das queimadas, recomendando, em seu lugar, a poda das forragens com ceifadeiras mecânicas. Para o melhoramento dos bovinos, indicava reprodutores ingleses. Pensando o melhoramento dos equinos, recomendava a importação de árabes puro sangue. Também indicava a criação de suínos e ovinos.
Entre outros trabalhos, Pereira Júnior realizou pioneiros estudos sobre doenças como a piroplasmose, comumente denominada de tristeza. Produziu ainda trabalhos em torno da febre aftosa, da peste da manqueira (carbúnculo sintomático), além de outras com etiologia não estabelecida.
Também dirigiu sua atenção a uma doença desconhecida que acometia os bovinos conduzidos de Guarapuava a Ponta Grossa, denominada pseudo-peste de Guarapuava. Descrevendo seus sintomas, relatou seu assistente: os animais, à saída do mato, bebem e pastam e em seguida pode-se observar aqueles que estão atacados do mal: orelhas pendentes, cabeça baixa, empanzinam e morrem pouco tempo depois.
Na época, alguns julgavam que o mal decorria do consumo de algum tipo de planta venenosa, e outros optavam pela hipótese de se observar uma moléstia contagiosa. Discordando daquelas opiniões, diagnosticou-se indigestão gasosa do rumem, ou meteorismo, uma perturbação funcional caracterizada pela paralisia ou inércia do órgão. Suas causas estariam relacionadas ao extremo esforço a que os animais eram submetidos, atravessando longas distâncias e recebendo escassas rações de pastagem e água. Nessas condições, muitos animais não seriam capazes de processar a ruminação, o que provocaria a paralisia do órgão.
E assim foi se dando o primeiro contato dos criadores da região com estudos e proposições desenvolvidos por homens de ciência, como então os pesquisadores eram denominados. Ao mesmo tempo, o governo federal dirigia atenção às questões relativas à pecuária. Embora as condições proporcionadas dificilmente pudessem ser consideradas adequadas, como pode ser exemplificado pelo episódio do suicídio de Pereira Júnior. Isso ocorreu no início do ano de 1916. As notícias davam conta de suspeitas de irregularidades na gestão de verbas da União, da abertura de inquérito e da ordem de prisão de Pereira Júnior.
As irregularidades teriam decorrido de cortes nas verbas para o pagamento de produtos importados pela unidade. Objetivando não deixar de honrar compromissos já assumidos, Pereira Júnior pagou credores com verbas destinadas a outros fins, motivando assim acusações de seu emprego indevido.
Pouco depois da sua morte, Pereira Júnior foi declarado inocente e o governo federal obrigado a pagar indenização à viúva e seus sete filhos. A Fazenda-Modelo não podia mais contar com seus trabalhos, mas, em meio a dificuldades, poucos recursos, sucessos e fracassos, uma trajetória de 100 começava.

Professor Adjunto do Depto. de História/UEPG

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