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Jornalista ponta-grossense sofre falsa acusação na CPI da Covid

Mayra Pinheiro, conhecida como 'capitão cloroquina'. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Em seu depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (25), a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, acusou falsamente o jornalista Rodrigo Menegat de hackear o aplicativo TrateCov. Porém voltou atrás minutos depois ao ser questionada pelo relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

O que nem todos sabem é que o jornalista citado nasceu em Ponta Grossa e é formado em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Menegat concluiu o curso na cidade-natal há quase seis anos. Fez especialização em jornalismo de dados na Universidade de Columbia, em Nova York. Trabalha ativamente esmiuçando e divulgando dados de relevância para a população.

Em janeiro, após o lançamento da plataforma que promovia remédios ineficazes contra a covid-19, como a hidroxicloroquina, o jornalista acessou o código público do site e fez simulações na área aberta da plataforma, identificando que esses remédios estavam sendo recomendados de forma indiscriminada até para bebês. Segundo o jornalista, porém, não houve invasão do sistema nem extração indevida de dados.

O aplicativo era aberto e qualquer pessoa podia fazer simulações. Bastava colocar dados do paciente, como idade, peso e sintomas, para receber a prescrição do chamado “tratamento precoce”. Outros veículos de imprensa chegaram a fazer simulações quando o site ainda estava no ar e verificou os mesmos resultados.

“Recebi com surpresa e incredulidade a notícia de que fui acusado de cometer crime cibernético. Como jornalista de dados e desenvolvedor, apenas analisei o código fonte disponibilizado publicamente no site do aplicativo TrateCov, que estava salvo em um servidor do governo e acessível para qualquer usuário de internet curioso o bastante para fazer essa verificação por conta própria. O procedimento, de maneira alguma, alterou qualquer conteúdo na plataforma”, relata Menegat.

“O que Mayra chama de ‘apropriação indevida de dados’ nada mais é do que usar o inspetor de elementos do navegador para ler o código-fonte da página. Ou seja, as instruções que o navegador recebe para mostrar informações aos usuários”, esclarece o ponta-grossense.

Como acessar?

O procedimento que Menegat adotou é trivial e qualquer usuário consegue. “É um procedimento bem simples e completamente legal, que pode ser reproduzido por qualquer pessoa. Bastava acessar um navegador de internet, como Google Chrome ou Mozilla Firefox, clicar com o botão direito do mouse na página publicada pelo Ministério da Saúde, selecionar a opção ‘inspecionar’ e finalmente selecionar a aba ‘redes’ do menu”, detalha.

“No meu trabalho, apenas li e decifrei o que elas diziam. É possível fazer o mesmo com qualquer outro site da internet – é assim que a rede funciona, afinal. Nenhum site poderia ser aberto sem enviar arquivos semelhantes para o computador de cada usuário. Vários outros programadores e desenvolvedores fizeram o mesmo”, acrescenta o jornalista.

Menegat diz que o procedimento está longe de se configurar como qualquer crime cibernético. “Usar código fonte dessa forma é tão comum para desenvolvedores quanto usar o Google para fazer buscas sobre qualquer tema. Tenho total convicção de que meu trabalho jornalístico sequer se aproxima de um crime cibernético – pelo contrário, usou apenas técnicas triviais de navegação na internet ao alcance de qualquer pessoa”, reforça.

TrateCov

A plataforma foi lançada em janeiro de 2021 em Manaus, em evento com a participação de Mayra Pinheiro e do ex-ministro Eduardo Pazuello. O sistema também foi amplamente divulgado em nota à imprensa distribuída pela assessoria de comunicação da pasta no dia 13 de janeiro.

No texto, o órgão ressaltava que mais de 300 médicos de Manaus já estavam inscritos no aplicativo. A nota trazia declarações de Mayra: “Ele é um protocolo de fácil manuseio porque o profissional de saúde vai baixar no celular e atender o paciente, preenchendo uma série de critérios médicos. Após, será oferecido ao paciente o tratamento precoce com uso de medicações antivirais (sic)”, disse a secretária na nota. A TV Brasil, comandada pelo governo, também fez reportagem sobre o aplicativo

Depois de a imprensa noticiar, na época, que o aplicativo promovia de forma indiscriminada esses remédios, o ministério tirou o sistema do ar e passou a tentar emplacar uma versão de que ele era apenas um protótipo e que não estava em funcionamento ainda, contrariando seus próprios materiais oficiais.

Na semana passada, o ex-ministro Eduardo Pazuello disse à CPI que o aplicativo foi copiado e divulgado indevidamente. Nesta terça, Mayra voltou a insistir nessa narrativa e, quando questionada sobre o nome do invasor, apontou Menegat. Ao ser questionada sobre quais modificações o “hacker” teria feito no programa, porém, a secretária voltou atrás.

“Ele não conseguiu hackear. O sistema é seguro. Hackear é quando você usa a senha de alguém, entra dentro de uma plataforma ou de um sistema. Foi uma extração indevida de dados. O termo que foi utilizado foi um termo de leigos. Hoje a gente tem um laudo pericial que classifica a operação feita de extração indevida de dados”, afirmou ela, dizendo que o caso motivou um registro de boletim de ocorrência. Tecnicamente, porém, não pode ter havido extração indevida de dados de um sistema aberto.

Docentes de Jornalismo da UEPG repudiam ataque de secretária

Docentes do Departamento de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) repudiaram a tentativa da secretária do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, de desqualificar o trabalho de jornalistas na cobertura da maior crise sanitária do país.

“O corpo docente desta instituição pública estadual, preocupado com a formação e qualificação de jornalistas, entende que a citação nominal, duvidosa e descabida configura ataque à categoria profissional e à atividade jornalística assegurada pela Constituição, confirmando subterfúgios diversos do expediente que quadros técnicos e políticos do Governo Federal têm apresentado aos senadores como forma de não prestar contas à sociedade sobre o real papel de agentes públicos no agravamento da crise sanitária”, expõem em nota.

“Ao contrário do que insinua a secretária, até então conhecida pela defesa irrestrita de medicamentos não recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e sem comprovada eficácia contra a covid-19, cabe ao jornalismo apurar e denunciar essas e outras contradições que contribuam para uma sociedade melhor informada, capaz de maior fiscalização de eventuais desmandos que culminaram numa situação de tal gravidade a que chegou o país”, completa.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (SindijorPR) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também se solidarizaram ao jornalista ponta-grossense. “O SindijorPR e a Fenaj repudiam a tentativa de criminalizar o trabalho do jornalista, que atinge toda a categoria e seu direito de profissional, em meio à maior crise sanitária brasileira”.

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