em

Pistolagem e grilagem de terras ameaçam produtores de Socavão

Corte de madeira na Fazenda Quebrada Funda, no Distrito de Socavão

Processos judiciais sob segredo de justiça e investigações policiais sigilosas têm como indícios de crime tentativas de grilagem de propriedades rurais aos moldes do início da colonização do Paraná e milícias armadas que se assemelham às existentes na periferia paulistana e morros cariocas. Isso nos Campos Gerais, mais especificamente no distrito rural Socavão, no interior de um dos primeiros e, em extensão, maiores municípios paranaenses: Castro.

O que até então era do conhecimento de cerca de 2 mil famílias que vivem e trabalham nas comunidades rurais do Socavão, e autoridades do judiciário e policiais, ganhou proporções mais massivas com um ofício enviado ao Ministério Público pelo presidente do Sindicato Rural de Castro. Nesse documento do dia 22 de fevereiro, o presidente do sindicato, Eduardo Medeiros Gomes, alerta: “Uma milícia armada se instalou no Socavão e está pretendendo expulsar as pessoas da posse de suas terras, de forma violenta e clandestina”.

A tensão e o risco de mortes aumentam no interior do distrito. Homens armados estão ameaçando atear fogo em tratores e equipamentos dos produtores. Dizem estar a serviço dos verdadeiros proprietários das áreas e exibem documentos de procedência e legalidade duvidosas. A polícia foi chamada algumas vezes, em uma delas, no dia 14 de fevereiro, a Patrulha Rural da PM conseguiu interceptar um veículo. Nele haviam homens armados. As armas seriam legais e os indivíduos, devidamente identificados, tinham porte de arma.

“O que está ocorrendo no Socavão é uma prática de séculos passados na grilagem de terras., quando por meio de documentos qualquer se autoproclamavam donos, intimidavam e faziam a limpeza da área, ou seja, expulsavam quem estava nela, e depois de um tempo vendiam para terceiros. Nós achávamos que essa prática, pelo menos aqui no Paraná, havia ficado na história, mas não, está ocorrendo novamente em pleno século XXI”

Eduardo Medeiros Gomes, presidente do Sindicato rural de castro

Desconfia-se que sejam policiais aposentados. A participação de quem deveria estar a serviço da lei figurar do outro lado da cerca é relativamente comum nas milícias das grandes metrópoles. O noticiário nacional é repleto de exemplos. Um dos mais famosos é o do ex-capitão do Bope carioca, Adriano Magalhães da Nóbrega, que morreu em troca de tiros com militares do seu antigo Batalhão em uma manhã de domingo no início de fevereiro de 2020, na Bahia, depois de protagonizar fugas espetaculares em vários cercos da caça com participação da Interpol.

“O que está ocorrendo no Socavão é uma prática de séculos passados na grilagem de terras, quando por meio de documento qualquer se autoproclamavam donos, intimidavam e faziam a limpeza da área, ou seja, expulsavam quem estava nela, e depois de um tempo vendiam para terceiros. Nós achávamos que essa prática, pelo menos aqui no Paraná, havia ficado na história, mas não, está ocorrendo novamente em pleno século XXI”, resume o presidente do Sindicato Rural de Castro, Eduardo Medeiros Gomes.

Vítimas amargam prejuízos e inocentes são envolvidos

Não são apenas ameaças verbais de homens armados que provocam tensões, angústias e inseguranças em produtores rurais no Distrito de Socavão, em Castro. Na quinta-feira passada (3) cerca de 150 toneladas de madeira foram roubadas da Fazenda Quebrada Funda. Na manhã seguinte a carga transportada em três caminhões durante à noite foi localizada pela Polícia Civil em Rio Branco do Sul.

“Plantamos 40 alqueires com pinus há 18 anos e agora que tínhamos vendido toda a madeira, quando a empresa que comprou foi iniciar o corte os milicianos chegaram e disseram que eles eram os donos”.

Rubens Wiecheteck Neto, produtor rural em socavão

Foi o segundo prejuízo dos produtores rural Rubens Wiecheteck Neto e seu sócio em 30 dias. No dia 2 de fevereiro, 105 toneladas de pinus já haviam sido retiradas ilegalmente da propriedade. A carga, avaliada em R$ 35 mil por Neto foi apreendida apreendida em uma madeireira de Carambeí. “As toras estão apodrecendo no pátio da empresa”, observou, na tarde de sexta-feira (4). Acrescentou que “eles estão envolvendo inocentes e a madeireira está colaborando com as investigações”.

A Fazenda Quebrada Funda, de 240 alqueires, foi comprada por Neto e seu sócio, hoje com 80 anos, tem todos os documentos legais exigidos de uma propriedade rural, como registro, escritura e certificação do Incra. “Plantamos 40 alqueires com pinus há 18 anos e agora que tínhamos vendido toda a madeira, quando a empresa que comprou foi iniciar o corte os milicianos chegaram e disseram que eles eram os donos. A empresa se retirou da área e eles levaram a madeira”, contou o empresário.

Medida Provisória possibilitou registro de áreas sobrepostas

“Entendemos que todos podem reivindicar o que julgam sejam seus direitos, porém isso deve ser feito perante o Poder Judiciário e não criminosamente ao arrepio da lei, revivendo-se, em sua jurisdição, um sistema de pistolagem em pleno século XXI”

Eduardo Medeiros Gomes, presidente do Sindicato rural de castro

O que fez crescer o número de sobreposição de áreas em escrituras e registros rurais foi a Medida Provisória 910, assinada pelo presidente da República Jair Bolsonaro, que teve uma vigência breve. Foi publicada no Diário Oficial da União no dia 10 de dezembro de 2019 e revogada no dia 21 de maio de 2020. Nesses cinco meses, deixou de ser obrigatório aos proprietários de imóveis rurais colherem a anuência (assinatura) dos seus confrontantes (vizinhos) quando do procedimento de georreferenciamento dos imóveis rurais.

Com isso, quem está por trás da milícia que atua no Distrito de Socavão teria conseguido obter registros de terras há muitos anos sob posse de produtores rurais da região. Os nomes são mantidos em segredo de justiça e os documentos estão sendo analisados e julgados, tanto em primeira como em segunda instâncias. Os produtores do Socavão têm conseguido ganho de causa em Juízo de Castro e os recursos da parte contrária subindo para o Tribunal de Justiça do Paraná.

Eduardo Medeiros Gomes, presidente do Sindicato Rural de Castro

Nos próximos dias, uma comitiva de produtores rurais do Socavão, tendo à frente o Sindicato Rural de Castro, deve seguir à Curitiba para expor junto aos desembargadores o que está ocorrendo no distrito. “Entendemos que todos podem reivindicar o que julgam sejam seus direitos, porém isso deve ser feito perante o Poder Judiciário e não criminosamente ao arrepio da lei, revivendo-se, em sua jurisdição, um sistema de pistolagem em pleno século XXI”, afirma o presidente do sindicato patronal, Eduardo Medeiros Gomes.

História que teve início em 1870 não acabou

A sede do distrito de Socavão fica a cerca de 40 km do centro de Castro. Desses, menos de 10 km são asfaltados, o restante é de terra, com intenso tráfego de caminhões. Lá existem cerca de 700 produtores, que ocupam quase 28,2 mil hectares, onde moram aproximadamente 2 mil famílias. Os colonizadores chegaram na região há cerca de 100 anos e boa parte das propriedades, predominante pequenas e médias, ainda pertencem a descendentes.

Historicamente, os 28 mil hectares tinham três matrículas, números 2.083, 2.084 e 2.085, do Cartório de Registro de Imóveis de Castro. Pertenciam a uma única pessoa, que faleceu em 1870 e deixou como herança a um outro latifundiário, que não ocupou a terra. A área foi pacificamente ocupada por centenas de famílias, que com o passar dos anos conseguiram regularizar legalmente os lotes, com registros e matrículas em cartórios castrenses e certificados do Incra.

Formou-se assim 26 pequenas comunidades rurais do distrito de Socavão:

  • Socavão São Luiz dos Machados
  • Lagoa dos Ribas
  • Barrinha
  • São Lourenço
  • Paina
  • Quebrada Funda
  • Papuã
  • Passo da Olaria
  • Paiol Queimado
  • Bairro dos Ferreira
  • Lagoa Bonita
  • Palmital
  • Palmital dos Costa
  • Palmital dos Almeidas
  • Barra
  • Bairro dos Mariano
  • Barrinha dos Ortiz
  • Butiazal
  • Herval dos Lima
  • Hervalzinho
  • Limitão
  • Lageado dos Leme
  • Arrieiros
  • Agua Vermelha
  • Vargedo
  • Bairro dos Rosas

Documentos do latifúndio no Socavão são famosos

Os documentos que embasam a reivindicação de propriedade dos 28,2 mil hectares no distrito do Socavão, em Castro, se tornaram nacionalmente conhecidos em junho e julho de 2021, devido à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal, que investigou a compra de vacinas contra a covid-19. Mais especificamente quando a pauta foi a tentativa de compra do imunizante Covaxin, um negócio de R$ 1,5 bilhão. Acordo que, no final de agosto, foi unilateralmente cancelado pelo Ministério da Saúde.

A transação comercial internacional para a compra da vacina que era conduzida pela Precisa Medicamentos – farmacêutica que intermediava a venda da vacina Covaxin, produzida pela farmacêutica indiana Bharat Biotech – com o governo brasileiro, exigia garantias. Uma dessas garantias foi justamente os questionáveis registros de propriedade das terras no distrito rural castrense. Documentos esses que já haviam sido apresentados, e rejeitados, pelo Governo do Paraná, em uma tentativa de quitação de dívida tributária.

Silêncio e sigilo sobre conflito no Socavão

A assessoria de imprensa do Ministério Público do Paraná foi contatada pela reportagem, que foi orientada a falar com os promotores de Justiça de Castro. A 1ª Promotoria da Comarca de Castro informou que aguarda a conclusão do inquérito policial aberto pela Polícia Civil, mantendo assim o sigilo das investigações e das ações judiciais em curso.

Participe do grupo e receba as principais notícias da sua região na palma da sua mão.

Entre no grupo Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.