em

Conflito entre Rússia e Ucrânia tem reflexos nos Campos Gerais

Influência vai dos dramas familiares à economia regional

Foto de descendente ucraniana
Bernadete mantém viva parte da tradição ucraniana, em Ponta Grossa / Foto: José Aldinan

O mundo nunca esteve tão conectado como agora. Em tempos de aplicativos de mensagem instantânea, levou poucos minutos para que o ataque bélico da Rússia em território da Ucrânia fosse noticiado, na manhã desta quinta-feira (24), nas rádios, blogs, programas de TV e redes sociais.

Rússia e Ucrânia

Embora o conflito esteja geograficamente distante, a velocidade de informação faz com que suas consequências estejam próximas de qualquer lugar do mundo. A região dos Campos Gerais não está fora dessa condição. O embate entre os dois países gera tensão, também, entre os descendentes daqueles que, no passado, deixaram aquele continente para viver no Brasil, e vieram ao Sul, a municípios como Ponta Grossa.

Governo do Paraná

Reconhecendo isso, o Governo do Estado do Paraná emitiu nota, na tarde de ontem, informando que “se solidariza com a população ucraniana, que vive um pesadelo com a ofensiva militar da Rússia contra o seu país, deflagrada nesta quinta-feira (24). Temos fortes laços com a Ucrânia. Vivem no Estado quase 500 mil ucranianos e seus descendentes, o maior contingente desta população fora do país de origem”, destacou o governador em exercício Darci Piana.

Prudentópolis

A Prefeitura de Prudentópolis, que tem a maior comunidade ucraniana do estado, enviou ofício ao prefeito de Ternopil, Serhij Nadal. “Prudentópolis segue com as portas e com o coração abertos ao povo ucraniano como o fez há mais de cem anos, quando recebeu os primeiros imigrantes que aqui construíram sua história e influenciaram diretamente no modo de vida de nossa terra”, afirmou o prefeito, Osnei Stadler, no documento.

Ucranianos em Ponta Grossa

Bernadete da Costa Cardoso Santos, 52 anos, nasceu em Ponta Grossa. Mas é descendente de ucranianos por parte de mãe. Um pouco da cultura antiga foi passada para Bernadete, que mantém a tradição de produção das pêssankas. Os ovos pintados a mão são uma importante marca da cultura ucraniana, que Bernadete hoje comercializa e cujas técnicas ela ensina.

Bernadete ensina a arte de fazer pêssankas / FOTO: José Aldinan

Apesar disso, sua família não manteve contato com aqueles que ficaram na Ucrânia. Até mesmo a narrativa da vinda dos imigrantes e das dificuldades se perdeu. Isso é comum entre os descendentes de ucranianos, que segundo estimativa da Paróquia Transfiguração de Nosso Senhor (Igreja Ucraniana, no Bairro Nova Rússia), representam cerca de 5 mil famílias.

Pouco sobre as origens

Angelica Gastler também é descendente de ucranianos por parte de avó materna. Ao que sabe, ela veio para o Brasil fugindo de uma guerra. Mas o assunto não era confortável, e quase nunca vinha à tona. “Sei muito pouco sobre nossas origens. Minha mãe não era de contar muita coisa (…) Minha mãe contava que minha avó veio fugida num navio para o Brasil”, diz, lembrando que sua mãe e sua avó conversavam em ucraniano, mas não ensinaram o idioma para ela.

Russos afastados da área urbana de PG

Embora o município conte com um bairro denominado Nova Rússia, aqueles que se declaram realmente russos, preservando costumes em idioma e vestimentas, estão em redutos como a Colônia Santa Cruz. No local, que fica afastado da área urbana, nas proximidades da PR-151 em direção a Palmeira, são preservadas característicos étnico-culturais. Algumas delas já se perderam, ou mudaram, até mesmo na Rússia.

O contato com essas famílias é restrito. Em 2009 o jornalista Diego Antonelli publicou o livro “Em domínio russo”, após conseguir permissão para entrar na Colônia Santa Cruz e registrar um pouco de sua vida e costumes.

Cultura antiga

“A comunidade mantinha os mesmos princípios religiosos da época em que a colônia foi iniciada. Uma tradição de séculos, mantida por cerca de 40 pessoas. Mas isso foi há mais de 10 anos, e muitos estavam deixando a comunidade. Algumas pessoas deixavam para trás essa cultura, outras iam para outras colônias em outros estados ou países”, recorda.

Segundo ele, a presença russa no Brasil reflete a fuga durante a Revolução Russa em 1917. Os russos buscaram asilo na China, nas Filipinas e no Brasil, onde chegaram em 1958, por meio da intervenção da ONU.

Conflito histórico:

“Kiev é a origem da alma russa”

O professor Marcio Sergio Batista Silveira de Oliveira é pesquisador da área de imigrações internacional e professor de Sociologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Segundo ele, o conflito existe, historicamente, há muitos anos. O que acontece agora é que isso adquiriu novas proporções.

“A Rússia reivindica a origem da alma russa na cidade de Kiev, que é a capital da Ucrânia. Além disso, a Ucrânia fez parte da antiga URSS. Quando a União Soviética se desmantelou, alguns países se mantiveram mais próximos da Rússia, outros menos, caso da Ucrânia”, enumera Oliveira.

Professor Marcio Oliveira faz análise geográfica, histórica e política do conflito / Foto: Divulgação

Ucranianos russos

Do ponto de vista cultural, ele explica que cerca de 90% dos ucranianos em território separatistas são de origem russa e falam russo. Na Ucrânia como um todo, apenas 30% da população ainda fala russo. Muitas províncias se separaram com apoio da Rússia, e houve a invasão e anexação da Crimeia, em 2014.

OTAN e UE

“Nos últimos dois anos, o atual presidente da Ucrânia [Volodymyr Zelensky] se aproximou mais do Ocidente, manifestando o interesse de entrar para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e para a comunidade europeia (UE)”, diz Oliveira. A Rússia diz ver nisso uma ameaça, por haver no território da Ucrânia a Usina Nuclear de Chernobyl e a passagem de gasodutos.

A iniciativa do presidente russo Vladimir Putin, de ataque à Ucrânia, ainda tem forte viés político, já que ele se mantém no poder há praticamente 20 anos, em meio à pressão do Ocidente por eleições livres na Rússia.

Guerra impacta no agronegócio paranaense

Luiz Alexandre Gonçalves Cunha é diretor do Setor de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), onde é professor de Geografia Econômica e Política. Em sua análise, o conflito entre Rússia e Ucrânia, num primeiro momento, tem reflexos sociais impactantes, especialmente para o Paraná.

“A guerra tem uma relação bastante afetiva com o Paraná, que é um dos estados com maior colonia de ucranianos. Então, a gente imagina como isso pode estar afetando as famílias aqui”, comenta Cunha, antes de traçar um panorama econômico dos fatos.

Solos férteis

Segundo ele, no contexto atual, em termos de arrecadação o conflito entre os país acaba tendo reflexo “positivo” para o Brasil. “A Ucrânia tem os solos mais férteis do mundo e é grande produtora de grãos. Com certeza, a guerra vai afetar a produção, e aí o Brasil, em circunstâncias que ninguém torce para que aconteçam, sai beneficiado”, diz. Com um país a menos produzindo, há reflexo no aumento de preço das commodities agrícolas. O Brasil, como grande exportador de soja, tende a aumentar a arrecadação.

Petróleo

Em relação ao petróleo, que é commoditie mineral energética, deve continuar aumentando o preço. Para o professor, isso pode trazer reflexos na política de preços interna do Brasil.

“Se a guerra continuar gerando esse aumento exponencial no preço do barril de petróleo, isso vai mostrar o quão inviável é a política da Petrobras, de fazer relação direta do preço interno com o preço externo. Se o preço do barril de petróleo explodir, vai implodir a política da Petrobras”, opina.

PG tem hospital de orgiem ucraniana

Em Ponta Grossa, a Igreja Ucraniana reúne boa parte da comunidade descendente da cidade, e fica de frente para o Hospital do Coração Bom Jesus. O hospital foi fundado e é mantido pela Congregação das Irmãs Servas de Maria Imaculada, cuja origem também está atrelada à cultura ucraniana.

Confira o que diz o Governo da Rússia e o Governo da Ucrânia sobre o conflito

Participe do grupo e receba as principais notícias da sua região na palma da sua mão.

Entre no grupo Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.