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Subida ao pico Paraná é pura aventura

O fascínio do ser humano por montanhas existe desde os primórdios das civilizações. Esse olhar passa por significados religiosos, místicos, até a conotação esportiva, como ocorre hoje em dia nas escaladas. Alcançar o cume das montanhas faz parte da natureza humana e vai desde uma exploração, um simples hobby, ou uma aventura completa até o viés profissional do desafio da escalada.

Entre os inúmeros picos espalhados ao redor da Terra que possibilitam a escalada, o Monte Everest é o chamado teto do mundo. É o ponto mais alto do planeta, com 8.848 metros de altura em relação ao nível do mar. Porém, ele não é a maior montanha do planeta quando tomada a distância do seu topo em relação ao centro da Terra, título que pertence ao Monte Chimborazo, localizado no Equador.

Numa ótica mais regionalista, está o pico Paraná, que é a montanha mais alta da Região Sul do Brasil. É uma formação rochosa de granito e gnaisse, entre o município de Antonina e Campina Grande do Sul, no conjunto de serra chamado Ibitiraquire, que na língua tupi significa "serra verde". Ele foi descoberto pelo pesquisador alemão Reinhard Maack através de suas incursões na serra do Mar no estado do Paraná, vindo daí seu nome de batismo.

O conjunto principal do maciço rochoso que compõe o pico Paraná é formado por três cumes: pelo próprio pico Paraná (também chamado abreviadamente de PP), União e Ibitirati. Neste último está o mais alto paredão de granito do Brasil, com 1050m de altura, com inclinações que variam dos 70° aos 90°. O acesso para sua escalada se dá via Bairro Alto.

O escalador Willian Lacerrda, de 42 anos e que mora em Ponta Grossa, conhece bem o pico Paraná. “Já fiz algumas escaladas e passei pelo cume do pico Paraná”, disse o escalador, explicando que não há pontos de escalada no próprio pico Paraná, somente nos picos vizinhos a ele. “O que ocorre são áreas de escalada nas montanhas adjacentes ao pico Paraná. Tipo escalei o Ibitirati e passei pelo cume do pico Paraná. A última foi em setembro do ano passado. O Ibitirati tem a parede com a maior escalada do chamado patana. São 600 metros de pura adrenalina”, completou Willian.

“Fui até bairro alto, deixei o carro, e após umas 5 horas de caminhada é possível chegar a base da parede. Levamos umas 8 horas pra escalar a parede. Atingimos o cume, dali fizemos uma travessia até o monte União, descemos o col do União e subimos por uns 20 minutos até o cume do pico Paraná”, explicou Willian.

Complexo de montanhas do pico Paraná

 

A trilha apresenta poucas dificuldades técnicas, mas exige atenção e um considerável exercício físico para chegar ao topo da montanha. Estando numa zona de clima subtropical, é importante tomar precauções nas ascensões durante boa parte do ano, principalmente no período de inverno, visto a frequente ocorrência de temperaturas negativas (abaixo de zero graus Celsius – 0°C). Equipamento e vestuário apropriados são necessários para uma subida segura e confortável.

“É uma escalada tradicional, de um nível difícil, seria um 7° E3 graduando. São vários trechos expostos e exige uma boa experiência. Pode se machucar feio  em caso de uma queda. É uma rota para escaladores experientes neste tipo de escalada e muitos fazem em dois dias. E como chove muito na serra do Mar, isso se torna outra dificuldade. As vezes vai várias vezes até conseguir escalar”, afirmou o escalador.

Sem escalada radical, o pico Paraná apresenta uma trilha para a subida. “Acho muito legal a trilha, mais também não é para qualquer pessoa. A trilha tem mais ou menos 9 quilômetros e tem pessoas que levam mais de 12 horas para completar o percurso. Tem que estar bem preparado, bem condicionado. São de 5 a 8 horas de caminhada. Os pontos de água são longes, bastante subida, correntes, degraus e tem que ter um bom cuidado. É bom lembrar que o resgate fica muito longe, e na montanha, tudo muda muito rápido”, adverte Willian.

O paredão do monte Ibitirati é uma das partes mais radicais da escalada

 

Edemilson Padilha, de 46 anos, parceiro de escada de Willian, é fundador e atual diretor da empresa Conquista Montanhismo. “A primeira vez que subi o pico do Paraná foi pelo paredão do Ibitirati, que vendo de longe, é uma das corcovas desse conjunto montanhoso. Partimos de Antonina e fizemos a laboriosa caminhada de aproximação até a via Mar de Caratuvas, que era, na época, a maior via de escalada do estado. Levamos dois dias para vencer os 600 metros de parede. Dormimos uma noite numa plataforma de mato no meio da rota e pegamos uma tormenta. Pensamos que teríamos de desistir, mas no outro dia a montanha já estava seca. Seguimos para cima e atingimos o topo sob chuva, novamente. Chegamos na fazenda perto da BR 116 completamente encharcados e o fazendeiro nos deixou dormir num paiol. Trememos de frio, mas nossos espíritos estavam radiantes”, conta Edemilson.

Escalador profissional desde 1990, Edemilson participou da abertura de mais de 200 vias de escalada. Foram conquistas de vias de grandes paredes: Pedra Riscada (MG), Pedra Baiana (MG), Pedra do Fio (ES), Ibitirati (PR), Ferraria (PR), Garrafão (ES) e Pedra da Lavra (MG/ES). Em 2005 escalou o Cerro Torre, na Patagônia, considerada uma das montanhas mais difíceis do mundo. Em 2006 o Cerro Fitz Roy por uma rota que nunca havia sido repetida, sendo notícia na mídia internacional. Em 2011 fez parte da primeira equipe americana a escalar o Salto Angel (maior cachoeira do mundo, na Venezuela), ficando 17 dias na parede. Em 2012 participou da conquista da via Blowin’ in the Wind, no Mali (África).

Em 2013, encadernou a via Highway to Hell, 9b móvel, Piraí do Sul, PR, considerada na época a via mais difícil do Brasil de escalada tradicional. Em 2016 ganhou o Prêmio Mosquetão de Ouro (CBME – Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada) pela conquista da via No Fio da Navalha, na Pedra do Fio, ES. Em 2017 ganhou pela segunda vez o Prêmio Mosquetão de Ouro pela conquista da via Sangue Latino, Pedra Baiana, MG, rota esta que pode ser a via de grandes paredes mais difícil de nosso país. Também em 2017 ganhou o prêmio de escalador do ano pela Revista Go Outside, prêmio dado aos atletas de maior expressão dos esportes de aventura do Brasil.

Em 2018 participou da mais difícil travessia de escalada do Brasil, a Travessia King Kong, que uniu 3 vias de grandes paredes na Serra do Mar Paranaense. Em 2018 participou da abertura da primeira via de escalada ao lado da maior queda d'água do Brasil, o Salto El Dorado, localizado num dos pontos mais remotos da Floresta Amazônica.

Como chegar no pico Paraná

Partindo da cidade de Curitiba pela rodovia BR-116 em direção ao estado de São Paulo, passa-se pelo posto de combustível Tio Doca, nas proximidades do quilômetro 47 da rodovia. Logo em seguida há uma ponte sobre o rio Manuel José. Antes de chegar à segunda ponte, sobre o rio Tucum, mais à frente, há um acesso de estrada de terra à direita. Por esta estrada de terra são aproximadamente 6 km até chegar na base do IAP localizada no final da estrada. A trilha de passagem pública inicia-se em frente a base do IAP no final da estrada de terra. Pode-se deixar o carro em dois locais particulares com infraestrutura aos visitantes.

O escalador Edemilson Padilha contemplando a região do pico do Paraná

 

A descoberta

Partindo de observações e levantamentos trigonométricos do Conjunto Marumbi, Reinhard Maack, profundo conhecedor de geologia e da geomorfologia do estado do Paraná, estava seguro de que as montanhas observadas ao norte, na época ainda sem nome, eram os pontos mais elevados do estado e da região sul do Brasil.

Entre 1940 e 1941, Maack efetuou sete incursões a vários pontos da serra do Mar paranaense com objetivo de obter novas medições destas montanhas e efetuar anotações sobre a fauna e a geomorfologia das áreas visitadas. Com base nas informações e medições obtidas ele confirma suas expectativas iniciais e registra que o cume do pico Paraná (como então decidira batizar a montanha mais alta daquele setor) teria 1922 m de altitude, sendo reconhecida a partir daí como a montanha mais alta do Paraná e da Região Sul do Brasil. Antes disso a montanha tida como a mais alta do estado era o monte Olimpo, no Conjunto Marumbi, cuja altitude havia sido recentemente revista para 1.547 metros, também com base em suas medições.

Com o intento de comprovar estas medições feitas à distância e atingir o cume do pico Paraná, Maack organiza uma expedição exploratória à então isolada região da Serra do Ibitiraquire, para a qual convoca os experientes marumbinistas Rudolf Stamm e Alfred Mysing. A rota escolhida para aproximação à montanha depois de vários estudos é traçada a partir do planalto, com base na localidade de Praia Grande, por onde seria possível fazer a maior aproximação por via rodoviária, facilitando a logística da operação. Na época ainda não existia a rodovia BR-116 e tampouco a estrada que liga Antonina a Guaraqueçaba, o que exigia um longo deslocamento partindo de Curitiba em direção ao Estado de São Paulo por precárias estradas de terra. A expedição, auxiliada por cavalos de carga e tropeiros contratados na região, partiu de Praia Grande em 28 de junho de 1941. Com dificuldades de orientação devido ao fato do Pico Paraná não ser visível da região onde se encontravam, adotam como rota inicial para a primeira tentativa de conquista a subida pela cumeada das montanhas Camacuan, Camapuan e Tucum. No final do segundo dia de expedição atingem o topo do Camapuan, de onde conseguem vislumbrar o Pico Paraná e assim corrigir o rumo. Com a relativa facilidade oferecida pela vegetação de campos de altitude naquela área, montam nova base no cume do monte Tucum e, com o objetivo maior à vista, traçam uma nova rota, praticamente em linha reta, cortando os profundos vales entre os montes Tucum, Cerro Verde e Itapiroca, o que demandaria enfrentar um longo trecho de vegetação densa. Por três dias se esforçaram na abertura da picada, mas a lentidão no progresso e uma súbita piora das condições climáticas fez com que Maack abandonasse esta rota e ordenasse o retorno ao acampamento base em Praia Grande em 04 de julho 1941.

Durante o retorno, na localidade de Terra Boa, tomam conhecimento de que um mateiro morador da região, chamado Josias Armstrong, já teria subido num dos picos da região, logo identificado como sendo o pico Caratuva e que segundo entendiam então, após o fracasso da primeira investida, poderia oferecer uma rota mais favorável ao objetivo proposto. Partem novamente no dia 7 de julho, acompanhados desta vez por dois mateiros, o próprio Josias Armstrong e Benedito Lopes, que guiam o grupo por uma estreita picada aberta pela família Armstrong onze anos antes e que era usada esporadicamente para coleta de erva mate. No dia 9 de julho, após grande esforço para reabrir a picada e transportar o material na subida os expedicionários atingem o cume do monte Caratuva e enxergam o pico Paraná de frente, confirmando o acerto da rota empreendida, pouco antes de cair um grande temporal que os deixou sem visibilidade alguma. Montaram acampamento ali, mas com a persistência das chuvas fortes e a escassez de suprimentos retornam para o sítio de onde partiram para aguardar a melhoria das condições climáticas, agora com o caminho bem aberto. Só no dia 12 de julho, com o tempo melhorando, após nova subida ao Caratuva conseguem atingir o que chamaram depois de “pouso da sorte” (atualmente conhecido como Acampamento 1, ou A1), para onde transferem seus materiais. Em 13 de julho, com tempo bom, o grupo completo prossegue pela estreita faixa da crista de ligação entre o Caratuva e a encosta do pico Paraná, onde atingem o campo inclinado (próximo de onde atualmente estão localizados os restos do abrigo de pedra) às 13h45min. Neste ponto Maack monta seus equipamentos de medição e libera os demais para prosseguirem na tentativa (ainda incerta, dadas as dificuldades aparentes) de atingir o cume, mas somente a dupla Stamm e Mysing se encontrava em condições físicas para prosseguir e segue em frente. Após vencer vários lances de grande dificuldade na subida, quase duas depois de sair do campo inclinado, a dupla consegue o intento de pisar no cume do pico Paraná. Gritos de júbilo e os estrondos de dois rojões ecoam do alto da montanha revelando o sucesso dos montanhistas que ali deixam uma placa provisória gravada com o nome de todos os expedicionários. Era conquistada assim a montanha mais alta do estado e do sul do Brasil.

O grupo retorna em seguida e, com outra súbita deterioração das condições climáticas é forçado a retornar ao sítio no planalto onde montaram o acampamento base. Reinhard Maack só atingiu o cume do pico Paraná em julho de 1946, na sexta expedição organizada para atingir a montanha (sendo esta a terceira a obter sucesso, pois três das expedições anteriores não lograram ultrapassar o Caratuva devido ao mau tempo).

Em 1992 novas medições são realizadas e sua altitude foi aferida em 1.877,392 m com uso do Sistema de Posicionamento Global por três equipes da Universidade Federal do Paraná coordenadas pelo professor Paulo César Lopes Krelling do curso de pós-graduação em Ciências Geodésicas, sendo esta a medida adotada oficialmente desde então. A redução das altitudes de montanhas tem sido uma constante desde o momento que se iniciou o uso da tecnologia GPS nas medições, mas a polêmica persiste, pois há divergências sobre o nível de referência a ser usado dado que o nível médio do mar varia de região para região. (Fotos: Divulgação/Arquivo pessoal)

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