Coordenador da Lava Jato ressalta que operação não irá mudar os rumos do país, mas que pode gerar mobilização por parte da sociedade para combater a corrupção
Deltan Martinazzo Dallagnol, procurador da República e coordenador da força-tarefa Lava Jato, não acredita que a operação que está à frente irá salvar os rumos do país.
Atuando há mais de dez anos no combate a crimes de lavagem de dinheiro, um dos idealizadores da campanha “Dez medidas de combate à corrupção”, Dallagnol vê a Lava Jato como um meio, não como um fim, na luta contra o desvio de dinheiro público no país. Para o procurador, a corrupção é uma prática instaurada e consolidada no poder, sem distinção de partido. Compara a corrupção a um ‘câncer’, e a cura, deve passar pela mobilização da sociedade.
Dallagnol esteve em Ponta Grossa esta semana onde falou sobre as dez medidas de combate à corrupção, como elas podem estar ligadas à Lava Jato, e em entrevista ao Diário dos Campos, comentou sobre a visibilidade que o caso ganhou e como a população pode cobrar do poder público para que os desvios de dinheiro enfim tenham fim, ou ao menos recebam punições severas. Confira trechos da entrevista.
A origem das dez medidas e a relação com a Lava Jato
“Quando percebemos que a sociedade estava com uma expectativa de transformação tal, que nós não teríamos a capacidade entregar. As pessoas tinham a expectativa de que haveria um antes e um depois da Lava Jato, de que ela transformaria o Brasil. Mas o sistema é cancerígeno, vários outros subornos surgem, e em razão dessa percepção nós começamos a ajustar na Lava Jato medidas contra a corrupção, com base na jurisprudência nacional, na experiência internacional, do Ministério Público, inclusive. Essas medidas foram discutidas por especialistas de todo o Brasil, algumas delas surgiram de outras organizações que não o MP, outras derivaram de projetos já existentes. Tem alterações inspiradas em recomendações internacionais, que incentivam estas iniciativas. Várias propostas são recomendadas pela ONU e outras entidades de transparência internacional. É isso que fazemos ao divulgar as dez medidas, mostrando qual a relação delas com a Lava Jato, nós buscamos aproveitar isso para abrir os olhos da sociedade em relação a medidas que precisam ser adotadas se quisermos um país mais justo.”
Apartidarismo do movimento
“O fato é que qualquer pessoa que entenda que essas medidas são boas, pode apoiá-las. Seja de esquerda, de direita. Porque essas medidas são apartidárias, assim como têm pessoas eventualmente de um movimento pró-impeachment, tem aqueles que são contra o impeachment. Pessoas que assinaram essas medidas apoiaram movimentos pró-governo também. O ponto em comum desses movimentos pró e contra impeachment é que ninguém quer a corrupção no nosso país. E nesse sentido o movimento de dez medidas de combate à corrupção canaliza os esforços de ambos os lados, existe um esforço unificador. É um tema comum.”
Como acabar com a corrupção
“Não ignoramos que a corrupção é um problema individual, mas adotamos uma visão internacional de combate à corrupção, de que, embora não se negue o problema moral, vê o corrupto como alguém que toma a decisão para obter recursos e benefícios, e sobre esse problema social da corrupção, busca influir políticas públicas para que a decisão daquela pessoa seja alterada e tenda a não praticar a corrupção. Como conseguir isso? A pessoa analisa os custos e os benefícios que possa conseguir com a corrupção, e você faz o quê? Aumenta os custos e diminui os benefícios. No Brasil o problema é que os custos são zero, porque a probabilidade de punição é praticamente zero, e o que se faz é gerar uma punição adequada, trazer uma perspectiva de concretização dessa punição. Por outro lado, você retira os benefícios, dá instrumentos para a recuperação do dinheiro que foi desviado. Com isso vai influenciar as pessoas a não praticar a corrupção. A pessoa vai querer ficar longe da prática corrupta.”
As consequências da Lava Jato
“As medidas de prática penal, ou seja, que trazem punições não valem para a Lava Jato, mas há aquelas de prática pessoal, que agilizam o processo, essas valem. E isso pode se tornar essencial para que a Lava Jato não caia no futuro de uma vala comum. Olhando para trás, no Mensalão várias pessoas diziam que haveria um antes e um depois do Mensalão, mas não foi isso que aconteceu. Os crimes de corrupção continuaram acontecendo. Porque o Mensalão veio em uma situação específica e não trouxe uma modificação permanente, não mudou o sistema. A Lava Jato traz uma janela de oportunidades, para que, além de atuar sobre aquele fato específico, a gente altere o sistema, para que novos casos, como o Mensalão, o Petrolão, não voltem a acontecer. Ou se acontecer, que não de um modo tão reiterado e tão intenso.”
A visibilidade da operação
“Algumas coisas que nós fizemos nesse caso, de modo inovador, para melhorar a nossa comunicação dos fatos para a sociedade, como a criação de um site para veicular as notícias sobre o caso e a utilização de coletivas de imprensa, foram feitos diante da peculiaridade do caso, um caso imenso de corrupção. Para que as pessoas tivessem acesso a essas informações, porque na internet você encontra de tudo, hoje o cidadão pode entrar na página da Lava Jato e pode ter acesso direto às informações oficiais e corretas. Além disso, a sociedade tem o direito de saber, em uma sociedade democrática, dos crimes e desvios que acontecem, porque são problemas que afetam a nossa democracia, que é um governo não só do povo e pelo povo, mas também para o povo. Quando existe um grande volume de corrupção, o governo não dá para o povo, mas para o bolso de algumas pessoas, então precisamos corrigir esse problema por meio da democracia participativa, por meio da sociedade se engajando nessas transformações necessárias. Essa visibilidade é importante para que as pessoas saibam o que aconteceu e que exista uma reação gerando alterações que possam fechar essas comportas pelas quais o dinheiro público escoa.”
As dez medidas de combate à corrupção:
Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos;
Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação;
Responsabilização de crimes políticos e criminalização do caixa 2;
Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores;
Reforma do sistema de prescrição penal;
Celeridade nas ações de improbidade administrativa;
Eficiência dos recursos no processo penal;
Ajustes das nulidades penais;
Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado;
Recuperação do lucro desviado do crime