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Uma Lei “Popular”, Uma Lei “Inconstitucional”

Uma Lei Popular, Uma Lei Inconstitucional (parte I)

 

Laércio Lopes de Araujo*

 

A Lei Complementar 135 de 04 de junho de 2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, projeto de lei popular, aprovada pelo Congresso Nacional sob pressão da mídia e carente de toda discussão necessária sobre uma medida que importa a violação de direitos de cidadania, nasce com um vício de inconstitucionalidade, que muitos juristas apontam, chamando a atenção o fato de, no mínimo, contrariar o princípio da presunção da inocência.

 

Para Saul Tourinho Leal mesmo tendo sido fruto de um valoroso esforço popular daqueles que buscam uma vida pública mais limpa, creio que a proposta é inconstitucional. Devemos atentar que o STF, ao apreciar a ADPF 144, julgou que o Congresso Nacional pode, por meio de lei complementar, estabelecer outros casos de inelegibilidade além dos constantes nos parágrafos 4º a 8º do artigo 14 da Constituição Federal, desde que não viole a presunção constitucional da não-culpabilidade. Ora, não se pode agregar aos textos legais que tratam da elegibilidade a extensão das limitações constantes das punições previstas nos tipos penais em que incorrerem os cidadãos, que são candidatos.

 

A lei prevê que não podem se candidatar políticos que tenham condenação em segunda instância ou tribunal superior, ou processo transitado em julgado, em que não caiba mais recurso. Ao privar o cidadão da possibilidade de ser votado, a Lei incide no vício apontado pelo STF, que consiste na violação à presunção constitucional da não-culpabilidade.

 

Mesmo partindo do pressuposto necessário que todo político tenha de ter obrigatoriamente a ficha limpa, não se pode ultrapassar os limites do ordenamento jurídico para atender a um clamor público. Ao ser aprovada para atender à vontade popular do momento, e ao contrário do que diz o prolóquio, a voz do povo é a voz de Deus, tem-se que a indignação popular foi manipulada pela mídia, servindo a interesses outros que não a democracia. Mais, a nova lei vai submeter os políticos a quatro ou oito anos impedidos de se candidatar, para depois se verificar que o mesmo era inocente das acusações que lhe eram imputadas em processo judicial. Tal fato determina que a limitação é irrecuperável, retiramos do eleitorado a responsabilidade que ele tem de eleger bons representantes. Considerar que a lei deve tutelar a escolha dos eleitores é considerar infantis tais eleitores, incapazes de escolher seus representantes. Ao impedirmos o povo de eleger corruptos, o que impedirá que a lei, em breve, impeça estes mesmos eleitores de eleger pessoas antipáticas, gordas, de direita, de extrema esquerda, que tenham falado alguma impropriedade em público, ou que não acreditem em Deus?

 

Dificilmente o STF questionará a validade da lei, mas a demora em julgar a sua constitucionalidade esclarece bem a saia justa em que a Suprema Corte está, ao julgar lei que fere princípios maiores da democracia, que é a possibilidade de se votar em quem se deseja.

 

O Senado aprovou o projeto de lei popular por unanimidade, no entanto sentam nesta casa Senadores como Renan Calheiros, José Sarney, Fernando Collor de Mello. Quem elege tais representantes dos Estados? Parece-nos que não são eleitos por quadrilhas ou sindicatos do crime, mas por pessoas comuns, indignadas com a corrupção, que mesmo assinando projetos tão sem propósito, continuam a eleger corruptos. O que impede o registro de candidaturas de políticos com condenação em segundo grau por oito anos, não deveria ser uma lei despropositada, mas o filtro da eleição, devemos não votar em políticos condenados em qualquer grau de jurisdição, e pronto, só teremos políticos ficha limpa.

 

O texto aprovado na Câmara dos Deputados seguiu à sanção do presidente Lula da Silva. Todos sabem o quanto a lei criou de confusões no pleito recente, quantos candidatos desistiram, apesar de a lei, obviamente não valer para o pleito de 2010. A lei fez muitas coisas ruins, selecionando candidatos, como se o povo semi-analfabeto fosse. Defender a lei é infantilizar o eleitor e a violência contra os direitos do cidadão, posto que estende penas, para cujos crimes, já existe previsão. Vale a pena ler o excelente livro Justiça, de Luiz Eduardo Soares, editado pela Nova Fronteira.

 

O Presidente Nacional da OAB, Ophir Cavalcante, na contramão das defesas que a Ordem se notabilizou, cobrou a rápida sanção da malfadada lei, fazendo coro com a mídia infantilizadora do eleitorado, diz: “para que ela possa vigorar nas eleições de outubro próximo, evitando que a ética seja atropelada por candidatos inescrupulosos”, esquecendo o presidente que jamais poderia lei valer para as eleições de 2010, porque a constituição não o permite. E num arroubo: “O Ficha Limpa não resulta do capricho de algumas entidades organizadas da sociedade civil, mas reflete o anseio de toda a população, contribuindo para fortalecer o Legislativo e introduzindo de forma indelével um pressuposto necessário, vital mesmo, para a democracia: a ética na política” perguntamos, como fica a cidadania na construção do Estado Democrático de Direito.

 

*Médico formado pela UFPR em 1985, Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria desde 1990, Mestre em Filosofia pela UFPR em 1995, Especialista em Magistério Superior UTP em 1992, e formando em Direito pela UFPR agora no mês de dezembro de 2011. Já proferiu palestras na OAB de Ponta Grossa, Cescage (Semana Jurídica) e Apadevi.

 

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