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Olhar dentro do balde II

Foto: Divulgação

Na virada deste ano escrevi aqui sobre a lição de meu avô onde ele nos ensinou a importância de levantar a bunda da cadeira e olhar dentro do balde antes de tomar uma decisão. Segundo meu avô, não se pode decidir entre ir buscar mais água na fonte nem tampouco deixar de ir se você não olhar para dentro do balde e entender exatamente o quanto de água tem para suas próximas empreitadas. Em Drucker encontramos inúmeras exortações gerenciais sobre a importância da fidelidade dos números onde o próprio sempre dizia: “Quem não mede, não gerencia”.

Ora, volto hoje ao assunto trazendo a você um fato histórico ocorrido na China entre 1958 e 1961. Nestes anos Mao Tsé-Tung desejava transformar a China em uma superpotência e acreditava que pela agricultura chegaria a isso, pois vendendo grãos ao mundo poderia equipar seus exércitos.

Imbuído de inúmeros oficiais ordenou aos seus ministros que duplicassem ou até triplicassem a produção agrícola do país. Ordem dada missão cumprida, com este lema ministros desceram as escadas da burocracia e a ordem chegou aos líderes de cada aldeia.

Como ninguém queria deixar de cumprir e ao mesmo tempo aproveitar uma oportunidade de aparecer para a alta direção, se puseram em campo. Na colheita, ainda imbuídos da boa vontade do fazer, foram maquiando números e apresentando da forma que a alta direção gostaria de ver, e curiosamente a cada degrau burocrático que subia, um pouco de maquiagem era adicionado aos números, o que agradava aos ministros que passavam a defender os números com a própria vida, pois também estava em jogo o prestígio deles.

Ora, dentro desta arquitetura silenciosa e bem elaborada o resultado foi que os números apresentaram um resultado 50% maior que o real. Pode imaginar a catástrofe? E a quem culpar? Temos que achar um culpado? Pois bem, o que aconteceu com a China nos anos seguintes?

Mao Tsé-Tung acreditando nos relatórios, pois seus ministros alegavam que os críticos eram adversários políticos e estavam com inveja dos números, se pôs a vender as milhões de toneladas de grãos “produzidas”, ao mesmo tempo que mandou investir mais dinheiro na agricultura, contratando mais burocratas e em troca passou adquirir armas e máquinas pesadas, supondo que com a sobra de produção poderia alimentar toda a nação (você teria feito diferente?).

Bem, como a matemática e a física são ciências exatas, chega o dia do balanço fechar as contas, e aí o bicho pegou, pois não havia excedente para alimentar o povo. O resultado foi a pior fome da história e a morte de milhões de chineses.

E olha que curioso, os relatórios não causaram estragos somente na China, pois as notícias bem engendradas pelos monstros do marketing chegaram aos qautro cantos do mundo. O presidente da Tanzânia chegou a copiar o modelo chinês de fazendas coletivas e ante a revolta dos agricultores, o presidente aniquilou as aldeias colocando em seu lugar seu exército, pois se funcionou na China ali teria que funcionar nem que fosse à força.

Iludido com os documentos oficiais dos ministros chineses que descreveram verdadeiros paraísos de produção agrícola, que na verdade só existiam nos papéis burocráticos e na ilusão coletiva do Partido Comunista Chinês, agora copiado por outros presidentes ávidos por sucesso.

O que aconteceu com a Tanzânia em 10 anos foi passar de maior produtor de grãos da África para o maior importador de grãos. 20 anos depois essas milagrosas fazendas coletivas abrigavam 90% dos agricultores, mas produziam apenas 5% da produção agrícola anual. Esse padrão de governantes e gestores é tão antigo quanto a escrita e perdura até hoje em nossos governos.

Entidades e empresas, e pasme, até mesmo em pequenas empresas de um homem só no comando, este por vezes cria gráficos mentais de bonança, para aliviar as dores da responsabilidade empresarial.

Por medo, incapacidade ou pura boa-fé, ilude-se, iludindo financiadores, fornecedores, funcionários e clientes. O que percebemos de tudo isto é que todo mal se reveste de roupas coloridas para provocar um efeito chamado tentação. Não são poucos os líderes que se entregam à tentação de mostrar magnificência e superações, nem que seja com uma canetada ou outra, e se isto agrada o chefe, porque não fazer?

No jogo político a onda é exatamente a mesma. Poucos olham para dentro do balde e se colocam a criar regras, leis e emitir códigos que os levem a mostrar um indicador de sucesso que lhe abastece o ego e pode ser negociado na bolsa de votos numa próxima eleição. A linguagem dos relatórios parece ser um meio poderoso de reformatar a realidade, e na habilidade política conseguem nos convencer que a realidade dos relatórios é superior aos dados reais que cobram a conta.

Nosso sistema educacional nos faz acreditar que a burocracia e a ordem precisam ser preservadas e que a verdade não importa, pois o que diz a lei é mais importante.

E dessa lama vivem partidos políticos, imprensa e tantas outras bactérias hospedeiras do sistema. Se a verdade liberta, espero que estas linhas o façam refletir. O caminho existe. O caminho é associar. Vamos trilhar.

O autor é empresário com 30 anos de experiência em associativismo, formado em Filosofia e Administração

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