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O dia em que vacas previram um ‘ciclone’ em Ponta Grossa

Vendaval devastou Ponta Grossa em 1906. Ao fundo, a torre do Hospital Santa Casa (Imagem acervo de pesquisa Josué Corrêa Fernandes)

A história antiga da cidade registra alguns fenômenos naturais que impuseram medo e destruição. Em 1883, conta Manoel Cyrillo Ferreira que, por volta das duas horas da manhã, os céus ficaram iluminados por cintilante cometa que estendia sua cauda de milhares de quilômetros por sobre o pequeno ajuntamento urbano, infundindo temores ancestrais de mensagem divina e de prenúncio de castigos: “a enorme cauda, em forma de grandes raios, como se fosse um nascer do sol em aurora nunca vista, aos poucos ia se avolumando de modo que, ao amanhecer, o seu corpo descomunal tomava quase todo o horizonte, na imensa altura do firmamento”.

Não era, com certeza, o Halley que, varando os céus em 1834, só reapareceria em 1910. No entanto, os ponta-grossenses foram tomados do mesmo misto de assombro e terror quando do aparecimento do mesmo Halley em 1456, que determinou aos católicos a oração angélica do meio-dia diante da cólera divina motivada pela conquista de Constantinopla pelos turcos

Chega um ciclone em Ponta Grossa

Mas a catástrofe mais significativa desses tempos ocorreu a 11 de setembro de 1906. Naquela terça-feira mormacenta que prenunciava a primavera, algo estranho passou a ser notado pelos moradores: o gado leiteiro que pastava nos quarteirões do Rocio, como que obedecendo a uma convocação misteriosa, passou a cruzar rapidamente a atual Avenida Vicente Machado dirigindo-se às matas do Pontão dos Bugres (Hospital 26 de Outubro, Shopping Palladium), para abrigar-se debaixo do grande capão de pinheiros que ali existia. Para as pessoas mais velhas, acostumadas a observar o comportamento dos animais, aquele inusitado cortejo bovino despertou temores inexplicáveis, quase sempre ligados a eventos da natureza.

Muitas residências acabaram sendo danificadas em virtude dos fortes ventos e granizo (acervo de pesquisa Josué Corrêa Fernandes)

Cerca de duas horas depois caiu, então, a grande chuva de pedras acompanhada pela orquestra de trovões e relâmpagos e por intensa ventania. Blocos de gelo de trezentos a quatrocentos gramas abateram-se sobre a povoação durante trinta minutos, gerando pânico e destruição: quase todos os telhados foram reduzidos a cacos, forros vieram abaixo, casas derruíram. Somente às cinco horas é que a tromba d’água amainou, possibilitando a que as pessoas saíssem ao largo e vissem, irresignadas, o que sobrara da saraiva.

Num lugarejo então acanhado, cerca de duas mil casas foram atingidas. Cercas, muros, construções feitas de madeira vieram abaixo. Parecia o Armagedom.

Porém, como diz o adágio, “os ciclones devastam, mas não são eternos”: poucos meses depois do flagelo, a cidade, como a fênix, conseguiu emergir do desconsolo e do desânimo, reconstruindo o que a natureza, em seus ocultos desígnios, havia destruído.

*Este texto integra a coluna Memória Viva, de autoria do pesquisador Josué Corrêa Fernandes, e publicada semanalmente no jornal Diário dos Campos.

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