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DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA – PARTE FINAL

Dando prosseguimento àtemática da semana anterior, concluiremos o tratamento do assunto, reproduzindo neste espaço fragmentos extraídos de escrito do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Professor Ênio SantarelliZulianivez que tal abordagem de modo didático enfocamatéria momentosa e que, por certo, ainda suscitará muita controvérsia e acirradas discussões:

ABUSO DO DIREITO – o vizinho que perde ação que ajuizou para cessar o incômodo da vizinhança deverá ser condenado a compensar danos morais por abuso do direito de defender o sossego?

Preservar um clima de cordialidade ou de convivência amistosa com vizinhos é uma arte e um grande desafio. Existe, entre vizinhos, uma conexão de direitos e deveres recíprocos, inclusive o de cumplicidade com alguns excessos ou impertinências que nos aborrecem, exatamente porque determinadas ocorrências prejudiciais ao nosso ambiente de tranqüilidade são factuais e isoladas, como uma festa barulhenta por algo digno de ser comemorado na casa ou no apartamento ao lado; não será, portanto, devido a esse episódio esporádico que vou denunciar o vizinho por importunar o meu sossego. Contudo, caso o vizinho comece a cultivar o barulho como hábito, pouco ou nada se importando com a vida dos seus próximos, aí, sim, estará legitimado o emprego de medidas legais para conter o exagero.

Esse excesso é uma questão que se demonstra com fatos objetivos.

No direito contemporâneo, temos uma boa amostra das decisões ajustadas ao moderno modo de vida das pessoas. Refiro-me à jurisprudência criada em favor do convívio do homem com animais de pequeno porte, em prédios de apartamentos.

A diretriz do TJSP é no sentido de permitir esse direito dos moradores, desde que não criem riscos aos demais condôminos, como casos de cachorros grandes e ferozes, o que representa uma vitória contra a intolerância (AI 287.533-4/1, Des. Ênio SantarelliZuliani, DOESP 08.05.2003, Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, v. 24, p. 99; Ap. 137.372-4/6, Des. J. Roberto Bedran, DOESP 26.08.2003, Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, v. 30, p. 137).

Para PHILADELPHO AZEVEDO (Destinação do imóvel. São Paulo: Max Limonad, 1957, p. 171), a repressão dos incômodos da vizinhança se opera por dois meios: ou o impedimento de funcionar, ou a reparação dos prejuízos.

O que fazer quando pedras são atiradas por lançador não identificado contra o telhado de outra pessoa? Não custa registrar que o fato, em termos de anormalidade, é considerado de alta intensidade. O ato de jogar pedras contra a moradia de outrem é uma violência dos covardes e transcende ao vandalismo, porque se aproxima do agravo moral.

Portanto, é legítimo que o morador procure autoridades públicas para exercício de medidas legais contra essa invasão de privatividade, buscando eliminar o ato que atenta contra seu repouso e que invade sua segurança familiar.

A família vítima de pedradas poderá denunciar o fato à autoridade policial, para que uma investigação se realize com o propósito de identificar e punir os autores desses atentados contra a propriedade e que perturbam a paz doméstica. Poder-se-ia cogitar dos interditos proibitórios (arts. 932 do CPC e 1.210 do CC de 2002) para o fim de fazer cessar os arremessos, embora o figurino do art. 461 do CPC se apresente bem mais adequado para essa finalidade, por conter técnicas persuasivas para intimidar o agressor e persuadi-lo da não-recidiva (multa e possibilidade de conversão em perdas e danos).

O fato é que esse direito de o vizinho conseguir que se respeite o seu sossego, que não se ofenda a sua tranqüilidade, que não se apedreje sua casa, poderá ter um efeito inverso surpreendente e nada agradável ao bolso, qual seja, a sua responsabilidade civil, na forma do art. 187 do CC, que regulamenta o abuso do direito. O abuso do direito é um comportamento que se equipara ao ato ilícito, para fins de indenização dos prejuízos que ele acarreta. … omissis …Para se ter como sancionável o abuso de um direito, o seu exercício deverá afrontar ao menos um dos elementos objetivos do texto (fim econômico ou social, boa-fé e bons costumes).

Como, portanto, conciliar o uso da faculdade de defender direitos dignos e garantidos na legislação, sem correr risco de ser condenado a pagar danos morais, que é o fim precípuo da ação sustentada no abuso do direito? Para responder a essa inquietante formulação, é necessário transcrever o voto do relator, que segue.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL

Responsabilidade Civil – Briga entre Vizinhos – Ação de Interdito Proibitório – Dano Moral – Inexistência. O simples fato de o autor ter sido parte em processo judicial não é circunstância que enseje, por si só, indenização por dano moral, inexistindo abuso de direito. Apelação desprovida.TJRS – AC 70009849332 – 5ª C. Cív. – Rel. Des. Umberto GuaspariSudbrack – DOERS 03.12.2005

 

Sob a ótica do subscritor, cumpre relevar que ganha importância a aplicação do bom senso no respeitante aos acontecimentos esporádicos ou persistentes para a aplicação de medidas extremas (via judicial), concernentes ao convívio social e ao exercício do direito de propriedade.

Carlos Roberto Tavarnaro

OAB/PR. 5132

 

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