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Volte a bordo!

Wanda Camargo

 

 

 

 

Educação é um longo, e algumas vezes doloroso, processo de aceitação daquilo que não nos é interno – dentro de cada um vive um selvagem que mal aprendeu a andar ereto e ainda luta pela própria sobrevivência em detrimento de todos os outros.

Educação não é fácil, não é rápida, e contraria profundamente nosso desejo de prazer imediato, mas é o que nos faz permanecer no navio quando está escuro e o barco ameaça soçobrar. Auxilia a não entrar em pânico em ocasiões de grande perigo, e saber de cor o nosso ofício, no sentido original (do francês coeur, coração), que significa um conhecimento tão verdadeiro de alguma coisa, que se torna parte do cognoscente, de seu coração.

Aprendizagem é decorrência de uma série de renúncias e frustrações, de erros e novas tentativas, de reiniciar quando tudo nos convida ao abandono, ao mais agradável e já conhecido. Mesmo ótimos professores, com as melhores metodologias, não substituem nosso esforço e dedicação, suas inspirações norteiam, mas não suprem nossa transpiração.

Aquele que verdadeiramente sabe não se deixa dominar por seu medo, faz o que todos esperam daqueles que detêm o conhecimento, e, portanto, em várias áreas profissionais, nos mais diversos níveis hierárquicos, podem comandar.

Humanos, aceitamos cargos que implicam em privilégios, melhor remuneração, reforço de autoestima, maior liberdade de ação; nem todos estamos prontos, no entanto, para arcar com maior responsabilidade, mais trabalho, exigência de atitudes melhores. 

A tradição naval de que o capitão deve ser o último a abandonar o navio em caso de naufrágio não é mera fanfarronice. É nessas situações de crise que a figura de autoridade deve estar mais presente, os passageiros sentirão mais segurança e os tripulantes farão melhor seu trabalho se não se julgarem abandonados pelo líder. Civilização implica em olhar o outro, entender também suas necessidades e medos; em situações limite, exige de quem comanda o sacrifício de suas próprias carências, firmeza para não escorregar e cair dentro de um bote salva-vidas quando todos correm perigo. 

O processo educacional, em seu sentido mais amplo, envolve o amadurecimento emocional e não apenas cognitivo; ao lado da técnica, precisa desenvolver o profundo senso de pertencimento, não apenas ao círculo mais íntimo, porém também àquele que nos faz idênticos, acima da cor da pele, sexo, religião ou status social.

E isso se aprende não apenas na escola, mas também no trânsito, nas filas, na vizinhança, no trato com os animais, no contato com os incapazes e dependentes – situações passíveis de muita selvageria, quando falta profunda integração com uma comunidade.

Em todas as profissões, em muitas ocasiões precisaremos voltar a bordo. Pode ser apavorante, exigirá preparo e autocontrole. Contudo, é uma das raras chances que temos de atingir a essência do que é ser humano.

 

 

 

A autora é educadora e presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil

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