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“País mudo é um país que não muda”

Mário Sérgio de Melo

 

Alguns pensadores, como o filósofo Noam Chomsky em seu livro Controle da mídia – os espetaculares feitos da propaganda, consideram que a democracia que vivemos a partir do início do século XX é constituída por três classes: a minoria que realmente detém o poder; uma outra minoria um pouco maior que a anterior de especialistas (intelectuais) que servem aos interesses dos detentores do poder e aspiram ascender a esta classe; e por fim a grande maioria que é considerada rebanho de massas estúpidas incapazes de entender o mundo e pensar seu futuro.

Nesse contexto, o controle da mídia é essencial para fabricar consensos dentro da massa estúpida, fazendo-a acreditar que é digno e necessário apoiar guerras sem propósito, massacres de pequenas democracias emergentes, um consumismo insano… A mídia assume um papel de cerco ideológico que isola aqueles que ousam pensar diferente e questionar o status quo, levando-os a se sentirem como bizarras aberrações fora da realidade do consenso fabricado. Para o filósofo, a propaganda está para a democracia assim como o cassetete está para o estado totalitário.

Outro pensador, o sociólogo Manuel Castells, adverte para a importância que as redes sociais vêm assumindo atualmente. Elas são capazes de transformar o cidadão de expectador em protagonista de sua sociedade, principalmente de sua cidade, que é para onde convergem e são expressos os traços culturais mais identitários de um povo. A primavera árabe que tem derrubado enraizadas ditaduras, a presente revolta na Turquia são mostras desse papel das redes sociais.

Noam Chomsky lembra que ao longo da história momentos de crises que significaram evoluções sociais aconteceram graças a movimentos muito informais, que permitiram que vozes dissidentes do consenso fabricado pela mídia se organizassem, se manifestassem.

Parece ser bem o caso do que acontece no Brasil no momento. Há um aparentemente paradoxal e surpreendente clima de revolta popular, que se materializa graças à comunicação e organização que as redes sociais propiciam, uma forma que foge ao controle dos fabricantes do consenso. As redes sociais permitem transpor o cerco representado pelo controle da mídia que fabrica consenso.

O jornalista espanhol Juan Arias do periódico El País escreveu no dia 17 de junho último (ver http://internacional.elpais.com/internacional/2013/06/17/actualidad/1371432413_199966.html) que causa perplexidade pelo mundo afora a onda de protestos pelas cidades do Brasil. Em seu artigo, ele faz perguntas para justificar tal perplexidade. Por que um protesto agora, quando o país está menos pobre, mais democrático e menos desigual, e cresce o número de milionários? Por que protestam estudantes de famílias que até há pouco tempo nunca tinham sonhado em ver seus filhos na universidade? Por que o Brasil, o país do futebol, parece agora estar contra a Copa das Confederações e o Mundial? Por que os protestos num país invejado até na Europa e Estados Unidos por sua taxa de desemprego quase nula? E outras perguntas que vale a pena ler.

O próprio jornalista arrisca resposta a tantas perguntas: paradoxalmente, a grande massa da população tem agora acesso a bens, a educação, a saúde, a dignidade, que antes não possuíam. Aprenderam a desejar ser mais felizes. E agora que têm mais consciência demandam ensino e saúde pública de qualidade, uma democracia mais madura, uma polícia mais responsável, partidos e políticos capazes de exercer dignamente e vigiar o poder. Querem menos corrupção, mais justiça e menos impunidade, e uma sociedade menos abismal em suas diferenças. Querem ver no cárcere os políticos e dirigentes corruptos. Enfim, querem um Brasil melhor. A começar pelo transporte público e suas tarifas, um mote simples a catalisar tanto querer. E o jornalista celebrando os protestos populares, lembra que País mudo é um país que não muda.

Mas, como alerta Juan Arias, há que cuidar para que os jovens brasileiros que estão saindo à rua não se deixem cooptar por políticos e outros que tentem esvaziar, ou pior, apossar-se de seus conteúdos. A começar pelo controle da mídia. Outro pensador, o filósofo esloveno Slavoj Zizek tem insistido em alertar que após autênticas revoluções populares ao longo da história, têm emergido personagens carismáticos, astutos e radicais o suficiente para se tornarem líderes que acabaram por corromper o conteúdo inicial dos protestos. Foi o caso de Robespierre após a revolução francesa, Hitler nos anos de nacionalismo alemão anterior à segunda guerra, Stalin na Rússia… Em todos estes casos, como diz o subtítulo do livro de Noam Chomsky, trata-se de espetaculares feitos da propaganda.

Em conclusão, talvez não haja melhores palavras que as de Juan Arias: Polícia, não dispare contra os sonhos da juventude; alguém pode negar a um jovem o direito de sonhar?

O autor é Geólogo, Professor do Departamento de Geociências da UEPG

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