Fabio Aníbal Goiris
O mês de março de 2012 ficará marcado como o período triste e sombrio da vida artística, intelectual e também da política do Brasil. Não é para menos: faleceram Chico Anísio e Millôr Fernandes. O jornalista Mauro Santayana escreveu: Millôr não dispunha dos atributos do ator de Maranguape, capaz de usar duzentas máscaras diferentes, para expor os sentimentos e o ridículo da condição humana. Nele havia a profundidade daquilo que é reflexivo, ancorada em uma erudição tanto mais ampla quanto menos pomposa. Ambos fustigaram a mediocridade e fizeram o povo pensar. Pode-se acrescentar que ambos, Chico e Millôr, vieram do próprio povo, da essência popular deste país hibrido e multirracial. Mas, paradoxalmente, não participaram como outros intelectuais do ensino formal e protocolar, nos moldes regidos pelo Estado. A genialidade de ambos não precisou de escolas; encontraram o seu caminho fora dos educandários oficiais. Antepuseram ao cerimonial da educação formal o valor axiológico da ética e, sobretudo, do talento inato. Não fizeram suas próprias teses de mestrado e doutorado, mas, representam nas universidades justamente os temas que envolvem pesquisas sociológicas de extremo valor cultural. Não é pouca coisa ser pessoa física e, ao mesmo tempo, valioso tema e motivo de pesquisas.
Millôr Fernandes desenvolveu também extraordinária aptidão para a arte gráfica e a produção intelectual de caráter multimidiático. Tornou-se, por exemplo, o principal tradutor das obras de William Shakespeare no Brasil. O seu domínio do idioma inglês era impressionante: Hamlet e Rei Lear (Coleção L&PM Pocket), representam exemplos acabados da obra do grande tradutor.
Na política brasileira, o pensador, escritor, dramaturgo e humorista Millôr Fernandes, encontrou o campo perfeito para passear sua inteligência. Começou por definir a democracia com ironia e escárnio: Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim. Conhecia muito bem a política e os políticos deste país. Em homenagem aos candidatos faladores chegou a escrever: As pessoas que falam muito mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades. Ou ainda, sobre o tema do falso discurso utilizado nas campanhas eleitorais Millôr escreveu: Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem. Assim, a política brasileira eivada de conchavos, acertos, alianças e acórdãos representam a mais pura genealogia da troca de favores e do clientelismo que levam governistas e opositores a se alinharem aos caprichos dos poderosos e mereceram mais uma frase de Millôr: O poder é o camaleão ao contrário: todos tomam a sua cor. Por fim, sobre o tema da corrupção Millôr Fernandes escreveu: O dinheiro não é só facilmente dobrável, como dobra facilmente qualquer um ou então Roube ainda hoje! Amanhã pode ser ilegal.
Millôr Fernandes defendia em forma ardorosa os valores da democracia. Durante o regime militar esteve à frente do lendário O Pasquim, tablóide que se tornou símbolo da resistência à ditadura militar. Mesmo sob o espectro da censura escreveu obras para o teatro como Por que me ufano do meu país (1962), Pigmaleoa (1965) e Os órfãos de Jânio (1979). Escreveu também Humor nos tempos do Collor (com Luiz Fernando Veríssimo e Jô Soares, 1992). Por fim, Millôr brincava com a vida política brasileira. Ele dizia: Nós, os humoristas, temos bastante importância para ser presos e nenhuma importância para ser soltos.
O autor é cientista político e professor da UEPG