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Lendas urbanas em PG (2): Um lobisomem na Ronda

Sérgio Luiz Gadini

O artista plástico ponta-grossense Osires Guimarães já registrou em tela a imagem de uma controvertida figura do folclore nacional, adaptada ao olhar regional: o lobisomem da Ronda. Historiadores e literatos locais também fizeram referência à lenda que carrega o nome de um dos mais importantes bairros de Ponta Grossa, fazendo inclusive associações com a era do tropeirismo.

Em princípio, não haveria qualquer maldade ou oposição aos respeitados moradores da comunidade. Ao contrário, até porque a Ronda é um dos bairros que concentra os mais importantes e simbólicos espaços de poder do município. E na pesquisa feita por Osires a referência ao lobisomem mais referenciado na Cidade não teria uma única e definitiva explicação do seu surgimento e, tampouco, dá conta da real existência do personagem. E, para não afrontar uma das máximas da cultura hispânica – “no creio, pero las hay” -, preferível tentar compreender as hipóteses populares em torno da lenda.

Uma das versões dá conta de que o dito cujo regional – também indicado como o lobi’s homi – existiria desde as primeiras décadas do século XX, vez por outra, atormentando moradores que escolheram o bairro como moradia. Em noite de lua cheia, na coincidência astrológica que oscila entre a segunda metade do outono e a duas primeiras quinzenas do inverno, o ‘Lobi’ já teria aparecido para pessoas de diferentes faixas etárias.

Por outro lado, uma interpretação local daria conta de que a lenda estaria associada ao aparecimento no caminho (noturno) de jovens mulheres, preferencialmente as que ignoram ou desafiam a suposta existência do Lobisomem. E lá pelas bandas da Ronda não seria diferente. Respeitadas senhoras, que já residiram na localidade, teriam perdido o fôlego, tentando escapar do dito cujo. Algumas das quais, embora não neguem tais desencontros, preferem não falar, evitando atualizar energias de outros tempos.

Talvez pela proximidade ou coincidência geográfica, reza uma versão popular da lenda que o ‘Lobi’ gosta mesmo é de se esconder no prédio mais importante da Cidade – a base do centro administrativo municipal em sua esfera executiva. Decorre daí a hipótese de que o dito mantém o hábito de vagar pelo bairro em função do Palácio. É também daí a versão que, algumas vezes, se ouve em comentários locais: “um lobisomem assombra a vida de setores da população”, a partir da Ronda. Mas, embora possa ser confundido, é bom lembrar que o lobisomem não é sinônimo de demo (referência ao ‘capo’ em uma interpretação contemporânea da religião). Pode até coincidir, mas não tem qualquer relação direta e previsível. Até porque, se assim fosse, a lenda estaria desmontada e pouco sobraria para a fértil imaginação popular desdobrar o assunto.

Em respeitados espaços públicos locais, ouve-se que o tal Lobi, quando não é visto com a mesma frequência d’ outrora, estaria se deslocando entre corredores, sobrados e algumas salas pouco frequentadas nos maiores prédios públicos do bairro. Na esteira desta hipótese, diz-se, ainda, que o lobisomem circula, preferencialmente ao entardecer, pelos corredores de um prédio da administração municipal e, eventualmente, até se alimenta de sobras de estranhos negócios articulados no entorno do Palácio. Talvez por isso, em alguns momentos conturbados da vida social, sugere-se que um lobisomem ocupa o palácio da ronda.

Logicamente, qualquer trocadilho ou interpretação ofensiva, por alguém que possa se sentir ‘dono’ de algum prédio público (mal ou bem assombrado) perde sentido. Tanto que, nas vias de descontrole, nem regra ou acordo social existe na Cidade para expulsar o ‘lobi’ de lá. Não cabe, aqui, e nem seria função de uma simples crônica, duvidar das crenças populares. Mas, na dúvida, como no caso das bruxas, pode-se não acreditar, mas ainda assim é melhor ser precavido: e não ousar questionar a imaginação popular.

O autor é professor da UEPG, membro do Conselho Municipal de Cultura PG, presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) – [email protected] 

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