Alberto Portugal
A rua XV de Novembro faz parte da identidade dos ponta-grossenses. É incontestável. Todo mundo tem ou sabe alguma história da rua estreita, repleta de senhores que, depois de aposentados, se reúnem a qualquer hora do dia para conversar. Aliás, era o que todos deveríamos fazer. Pelo menos em alguma hora do dia. Evidentemente, a correria do dia a dia não nos permite observar as peculiaridades da via, que em um primeiro olhar parece ter apenas cartórios e tabelionatos. Pouco se comenta sobre o passado deste trecho da cidade, mas a XV já foi meio de tudo, em ambos os sentidos. Meio no sentido urbano, porque talvez para muita gente fosse o verdadeiro centro de Ponta Grossa, com
comércio ativo, tendo inclusive o primeiro “shopping” da região (pelo menos para algumas pessoas): a Casa Lange. Em outro período, foi ponto de anarquistas, de gente que se reunia pras badernas, e embora a afirmação pareça machista, o pesadelo de muitas esposas. No tempo dos bares e das noitadas, era na XV que quem queria se divertir estaria ao anoitecer. Mas em contraponto, ali já passou procissão, já teve manifesto político, já teve elegância nos trajes e nos carros que passeavam lentamente.
Não é difícil encontrar referências estrangeiras: há um quê de Wall Street, principalmente no período em que, antes dos páreos do Jockey Clube, se faziam apostas, se guardava dinheiro no velho banco e se faziam grandes negócios. Quem olha, sem muito esforço pra ser sensível, hoje enxerga um aglomerado de predinhos com pouco acabamento, um ou outro reformado, e nada, absolutamente nada da suntuosidade dos palacetes princesinos, a exemplo de Villa Hilda, ou dos recém-tombados Banco Bradesco e Casa Biassio. Naturalmente, sem a sensibilidade necessária nas discussões da preservação, prédios são apenas prédios. E erroneamente se relaciona os edifícios tombados com terríveis monstros que impedem o progresso. Não! Pelo contrário. No ano em que a rua XV de Novembro completa 100 anos com este nome, por ironia do destino cumpre-se a lei 8.431/2005 que determina, caso o proprietário de uma unidade solicite retirar do Inventário Cultural (processo anterior ao tombamento), e o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural opte por não fazê-lo, que se tombe. E é uma decisão do COMPAC que se interprete a via como um conjunto, ou seja, sem que os edifícios sejam compreendidos como independentes e isolados. É isso: nada na XV é um só. J. Ruskin explica que as obras significativas para um povo não são de uma pessoa, são de todos. E embora se garanta o direito de propriedade aos donos, o que se quer dizer é que fazem parte de uma história coletiva. A rua XV do passado é marcada por fatos, por feitos e por muitos. A do futuro deve novamente fazer história, mas sem ignorar o que existiu para trás. É o que aconteceu com a Rua Riachuelo, o Largo da Ordem, a Calle Florida, o Pelô. Preservar é permitir que se reconheça um pedaço das nossas vidas. Afinal como será o amanhã?
*Alberto Portugal estudou Turismo e Hotelaria, é Arquiteto e Urbanista, bacharel em Artes Visuais. Atualmente é diretor do Departamento de Patrimônio Cultural e acredita que a preservação da memória, do protagonismo e da identidade são formas de garantir um futuro melhor para a cidade.
**Fotografia : Carlos Mendes Fontes Neto