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Über Coca

 

 

Rodrigo Batista de Almeida 

 

 

 

Coca (Erythroxylum coca Lam.) é uma planta nativa dos Andes que produz um alcaloide chamado cocaína. Os índios bolivianos Aymara foram, provavelmente, os primeiros a utilizar as folhas de coca, seguidos pelos incas, que os conquistaram no século X. A forma de uso mais comum da planta é mascá-la para a obtenção de efeitos estimulantes.

No final do século XIX, a cocaína foi extraída da planta e diversas indústrias farmacêuticas, como a Merck, comercializavam produtos farmacêuticos contendo o alcalóide. A substância ganhou grande popularidade. Freud, por exemplo, usava cocaína e a recomendava a amigos e a pacientes. Ele até escreveu um tratado sobre o assunto intitulado Über Coca (numa tradução livre, Sobre a Coca), título emprestado para este artigo.

A Farmacopeia Brasileira, na sua primeira edição, cita diversas preparações com a coca na forma de tintura, extrato fluido e pó. Farmacopeias são códigos oficiais sobre substâncias farmacêuticas utilizadas em um país e servem como fonte para consulta sobre descrição e métodos de análise de fármacos e insumos farmacêuticos. Além de fazer referência à coca, a primeira edição da Farmacopeia Brasileira também citou a cocaína, embora com a ressalva de se tratar de uma substância tóxica. No entanto, em meados dos anos 1920, o uso de cocaína foi proibido.

O mecanismo de ação desse composto envolve o bloqueio do transportador de dopamina, fato que leva a um aumento da estimulação dopaminérgica em locais específicos do cérebro. A cocaína também promove um bloqueio na recaptação de noradrenalina e serotonina, mas em menor proporção. Em relação aos efeitos, baixas doses causam diminuição da fadiga, aumento da atividade mental com melhora do desempenho em tarefas de vigilância e alerta e sensação geral de bem-estar e de autoconfiança. Doses maiores causam euforia, seguida de desejo de obter mais substância, comportamento estereotipado e paranóia. O uso prolongado causa dependência física e períodos de depressão profunda. Não são incomuns os casos de intoxicação grave e overdose potencialmente fatal.

É interessante ressaltar que o uso das folhas num contexto tradicional, ou seja, o hábito de mascar as folhas por habitantes das regiões andinas, não está ligado aos efeitos tóxicos comumente encontrados no uso fora deste contexto (por exemplo, uso por comunidades urbanas), em que se utiliza a cocaína purificada encontrada tanto na forma livre (crack, usado para fumar) como na forma de sal cloridrato (pó) para administração intranasal ou intravenosa.

A coca teve, e ainda tem, grande importância no contexto tradicional dos povos andinos, na qual o seu emprego transcende a utilidade meramente terapêutica, sendo utilizada com fins nutricionais na forma de farinha ou pasta, disponibilizando proteínas, cálcio e fósforo. Mas o uso da cocaína, o alcaloide extraído e isolado, pode trazer sérias consequências para os usuários.

 

 

 

O autor é professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR) campus Palmas

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