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Afinal, por que tanta gente desconta no trânsito os problemas de casa ou do trabalho?

Debate com especialistas em trânsito destacou os perigos e motivos que levam motoristas brasileiros a arriscar a vida no trânsito

Foto: Envato

Um acidente ocorrido em 2009, foi tema do programa Com a Palavra, exibido pela RTVE. Na época, a discussão de problemas entre os pais de um menino de 4 anos quase acabou em tragédia em Curitiba. A criança foi arremessada para fora de um veículo em movimento, depois que o pai deu um cavalinho de pau com o carro. O menino quebrou uma das pernas e o pai foi preso em flagrante por lesão corporal. Por que será que tanta gente desconta no trânsito os problemas? O programa é antigo, mas o debate é muito atual.

Naquele ano, a capital do estado do Paraná já possuía mais de 1 milhão de veículos e havia registrado no ano anterior mais de 7 mil acidentes de trânsito, com 98 mortos e quase 10 mil feridos.

Para debater o porquê muitos motoristas descontam no trânsito os problemas pessoais ou de trabalho, a RTVE, à época, convidou quatro especialistas no tema. Neuza Corassa, psicóloga, atuante no Centro de Psicologia Especializado em Medos em Curitiba e autora do livro Seu Carro, Sua Casa sobre Rodas. Celso Mariano, especialista em trânsito, diretor da Tecnodata, empresa com ênfase em educação e segurança no trânsito e diretor do Portal do Trânsito. Tenente Cristiano Machado, relações públicas do batalhão da Polícia de Trânsito, da Polícia Militar do Paraná (BPTran), à época. E Adriane Picchetto Machado, psicóloga, especialista em trânsito e diretora da Qualitat Avaliação Psicológica. Então, confira a seguir os principais pontos debatidos no programa.

Por que as pessoas não cumprem na prática as leis de trânsito?

O Tenente Machado começou a participação no programa Com a Palavra lembrando que, logo após o acidente com o menino de 4 anos acontecer, o pai entendeu as consequências de seu ato e se arrependeu. Esse caso é emblemático por demonstrar que, quando em meio à uma briga, o cérebro humano foca toda a atenção para o problema e, portanto, pode perder momentaneamente a capacidade de analisar os riscos. 

“As pessoas saem das suas casas, entram nos seus carros e continuam se comportando como se ainda estivessem em casa”, comenta a psicóloga Neuza. É por consequências como essa, que acertar contas dentro do carro não é nada aconselhável. “É preferível parar o carro, discutir o que tem de acertar e depois voltar a dirigir, e não do jeito que aconteceu ali. Ainda que não foi uma tragédia maior”, pontua a psicóloga.

Problemas da falsa percepção de segurança

Um componente importante para o aumento nos números de acidentes é a imprudência. “O que a gente nota é que o motorista tem uma certa tendência, quanto mais tempo de habilitação ele tem, maior vai ser o nível de percepção de confiança no volante. Então isso contribui para ele deixe de lado alguns fatores de segurança”, observa o Tenente Machado.  Itens básicos como o cuidado no trânsito e a atenção à sinalização passam a ficar em segundo plano, o que contribui para o aumento no número de acidentes.

“Existem vários casos, infelizmente a gente não tem como prever um acidente de trânsito, mas pode evitar. A maior causa dos acidentes é a imprudência, ou seja, a velocidade, o descuido, o descaso com a legislação e a sinalização”, complementa Machado.

Violência em trânsito

O trânsito, inclusive, foi apontado pela psicóloga Adriane como um reflexo da sociedade brasileira. “A nossa sociedade é violenta e não há nenhuma demonstração mais clara para nós do que o trânsito. Ele é fruto dessa sociedade violenta. Eu acredito que o fato de estar dentro de um carro exacerba essas tendências mais agressivas, as pessoas usam carros para outros fins que não utilitário”, explica.

Ela traça um importante paralelo da arma com o carro. “Nesse caso, ele estava armado, estava com um carro e pôde expressar a raiva dele – ou o que quer que estivesse sentindo – dando um cavalo de pau. Ele não mediu as consequências”, analisa. Ela recorda que o pai chorava muito após o ocorrido, o que indica o arrependimento e a incapacidade prévia de medir os riscos.

Por que a prevenção salva vidas

Celso Mariano dá sequência ao tema trazendo um outro ponto: a falta de cuidado prévio com o posicionamento no interior do carro. “Se o menino chegou a ser arremessado para fora do carro, era porque o menino não estava instalado adequadamente no veículo, já começa por aí”, observa. O alerta demonstra na prática o quanto as leis criadas se fundamentam em problemas anteriores, mas muitas vezes as pessoas ignoram os riscos, acreditando que tal situação não irá ocorrer.

“Eu vejo que há um sofrimento muito grande na nossa utilização do trânsito, pela falta de preparo que nós temos para participar do trânsito de forma adequada. Isso é segurança, tem tudo a ver com comportamento, com cidadania. E, por outro lado, há uma falta de percepção do risco”, complementa o diretor do Portal do Trânsito.

Mariano reforça que o ambiente trânsito é naturalmente perigoso e oferece muitos riscos. “Então, se um casal entra no carro, dirigindo discutindo, ele já não está dando a devida atenção para o ato de dirigir, que exige uma série de capacidades”. O especialista destaca a coordenação física e as capacidades intelectuais como alguns dos pontos que ficam comprometidos com essa divisão da atenção ao volante no momento de uma briga.  

Estatísticas de acidentes

Mariano provoca então uma reflexão. Ele lembra que apenas os acidentes viram estatísticas: “mas quantos de nós passamos por sustos enormes no trânsito?”, indaga. “Nós somos na verdade sobreviventes de uma centena de milhar de incidentes ou quase acidentes. E por não percebermos esses perigos, esses riscos, até por força da estatística, viram de fato acidentes”, complementa.

Isso reflete em dois problemas: a falta de cumprimento da legislação e a falta de educação. “A falta de aceitação de que a legislação está apenas expressando aquele condicionamento mínimo necessário para que o trânsito funcione com segurança. Você pode achar que limitar velocidade, exigir o uso de cinto de segurança, exigir que o fabricante coloque esse ou aquele item de segurança é exagero, mas não é. Está consagrado, no mundo inteiro é assim. O cinto de segurança tem que ser usado, o limite de velocidade é extremamente importante e mais uma série de quinhentos itens. Tem muito a ver com educação”, frisa.

A violência no trânsito é um fator cultural?

A apresentadora Rafaela Moron incluiu, então, uma nova pergunta: a violência no trânsito é um comportamento típico de brasileiro, ou no mundo inteiro acaba se refletindo? Tem um fator cultural ligado a essa questão?

Para responder, Neuza refletiu sobre o excesso de carros à venda no Brasil, com condições cada vez mais atrativas. Embora comercialmente movimente a economia, isso pode gerar problemas ao ignorar o fato de que muitas pessoas e cidades não estavam preparadas para esse aumento. “Muita gente vai comprar o carro e não vai se dar conta se a sua família tem condição de ter esse carro”, exemplifica.

Outro ponto trazido foi a tecnologia, que contribui para trazer uma percepção mais acelerada ao tempo. “As pessoas estão indo para o carro de maneira acelerada, e nem se dão conta disso”, observa a psicóloga. Ela comenta que, enquanto algumas pessoas têm consciência de que irão passar, por exemplo, uma hora dentro do carro e lidam bem com isso, há quem fique estressado para andar poucas quadras. E há ainda quem esteja com uma lista imensa de coisas para fazer, e muitas vezes até tem consciência de que não vai dar conta, mas tenta compensar o tempo no trânsito.

É grande o número de pessoas que dirigem sem carteira?

A última pergunta realizada no debate demonstrou que sim, o número de pessoas dirigindo sem carteira preocupa. O Tenente Machado confirmou que, como a oferta de carro é bastante grande no mercado, muitas pessoas aproveitam as condições facilitadas ou até parcelam com a ajuda de amigos para sair dirigindo. “Só que a educação falta, falta conhecimento, capacidade, habilitação para dirigir e essa pessoa vai ser responsável por um acidente. O BPTran realiza várias blitz, tanto as educativas quanto as repreensivas, então durante a semana toda a gente trabalha em cima disso e infelizmente o número é grande de pessoas não habilitadas”, revela.

Ele aproveita o tema para reforçar, por fim, que a responsabilidade de entregar um veículo para uma pessoa não habilitada é do proprietário do veículo.

Quer entender mais sobre os problemas enfrentados no trânsito? Confira a reportagem na íntegra no vídeo abaixo.

* Entrevista veiculada em 2009. Os cargos contidos nessa matéria podem ter sido atualizados após este período

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