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Veja fotos da reinauguração do Museu Campos Gerais

Foto: Aline Jasper

Da Praça Marechal Floriano Peixoto, no Centro de Ponta Grossa, vê-se um movimento constante de veículos e pessoas. O prédio na esquina entre as ruas Engenheiro Schamber e Marechal Deodoro se ergue majestoso. No corre-corre do dia a dia, um brilho chama a atenção através da janela e revela um mágico retorno no tempo: lustres dão um tom festivo ao antigo prédio do Fórum de Ponta Grossa, que volta à vida após um trabalho cuidadoso. Nesta terça-feira (06), a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) entrega à comunidade paranaense o restauro do prédio histórico do Museu Campos Gerais (MCG), em solenidade na antiga Sala do Júri.

Há quase 100 anos, a fachada imponente em estilo eclético se destaca no coração da cidade, onde o prédio ocupa indelével sua posição em uma esquina movimentada. Na memória afetiva de tantos ponta-grossenses, o edifício ficou registrado como espaço de cultura e de história. Talvez por isso os olhares que entram no Museu refletem a mágica dos lustres, a grandeza da escadaria, o esplendor dos ornamentos folhados a ouro no teto, a beleza dos ladrilhos e dos pisos de madeira, e também o brilho das memórias.

“O restauro da sede histórica do Museu Campos Gerais, edifício-símbolo do acesso à Justiça, memorial da Universidade e da nossa cidade, materializa a importância da Universidade, da história e da cultura da nossa região”. Idealizador do restauro desde quando estava à frente da Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Culturais, o reitor Miguel Sanches Neto lembra que o prédio integra a trajetória da instituição e do município. “Temos a cidade no nome da UEPG e mantemos este vínculo vivo por meio de muitos projetos como este”.

A prefeita de Ponta Grossa, Elisabeth Schmidt, avalia que o “Museu Campos Gerais não é apenas um local de preservação de nossa história, mas também um espaço de educação e cultura para as futuras gerações. É um lugar onde podemos aprender sobre nosso passado, compreender nosso presente e vislumbrar nosso futuro”. Para ela, hoje, mais do que nunca, ganha importância a preservação do patrimônio cultural. “É através de iniciativas como esta que garantimos que as próximas gerações possam apreciar e aprender com a riqueza de nossa história”. 

Cerimônias e histórias

Era 04 de janeiro de 1928. Representantes do Poder Judiciário e personalidades ponta-grossenses participavam de uma grande festa de inauguração do Fórum da Comarca de Ponta Grossa. Antes, o órgão judiciário funcionava na Rua XV de Novembro, como conta o pesquisador Peter Rudi Lapezak, autor do livro “Centenário da Comarca de Ponta Grossa 1880-1980”.

Passam 55 anos e o prédio ganha nova função, com a cerimônia de abertura do Museu Campos Gerais, em 28 de março de 1983. O Fórum cresceu e precisou ser transferido para nova sede, em Oficinas, e o espaço histórico foi cedido à UEPG. O imóvel foi tombado pelo Patrimônio Cultural do Paraná em 03 de novembro de 1990.

Por conta de danos estruturais, o Museu foi interditado em 2003 e transferido para o “antigo Banestado”, na mesma quadra, na confluência das ruas Engenheiro Schamber e XV de Novembro. O prédio aguardou quatro décadas pela próxima solenidade: na manhã da terça-feira, dia 6 de fevereiro de 2024.

Em 2010, a UEPG captou R$1 mi via Lei Rouanet, valor utilizado para reforma nos pontos mais emergenciais da estrutura: forro, vigamento e telhado, bem como a pintura externa e interna do pavimento térreo. Na solenidade de entrega do restauro, o Presidente do Conselho Estadual de Educação e Reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa por três gestões, professor João Carlos Gomes, rememorou uma conversa que teve com o professor Miguel Sanches Neto há 16 anos. “Hoje, entrando aqui, vi o anexo ao lado e me lembrei de quando o Miguel me chamou e disse: vamos recuperar este prédio, reitor, com um anexo moderno de vidro e um café no último piso”. Na época, o restauro não foi possível, mas foram realizados reparos que mantiveram a estrutura até 2021.

Universidade foi contemplada com R$ 10,5 milhões do Fundo Nacional de Defesa de Direitos Difusos, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. “Este é o maior investimento em restauração de um prédio da história de Ponta Grossa”, comemora o reitor.

Abertura ao público

A abertura do MCG ao público, com uma exposição itinerante do Museu Oscar Niemeyer que homenageia os 100 anos de Poty, está prevista para abril de 2024. “É muito simbólico que na sequência, depois de inaugurado o prédio, a primeira exposição seja desse importante artista plástico paranaense”, avalia Sanches.

“Eu não tenho dúvidas que a volta para o seu lar oficial vai vai consolidar o Museu Campos Gerais como um dos grandes museus do estado do Paraná”, comemora o diretor do MCG, professor Niltonci Batista Chaves. Além de simbolizar um salto de infraestrutura e acessibilidade, é um retorno ao espaço repleto de memórias afetivas e simbolismo político.

Em paralelo, a equipe do Museu, em conjunto com profissionais museólogos contratados, elabora um grande projeto museológico, com o planejamento dos espaços, aquisição de mobiliário e equipamentos e transferência do acervo para composição de exposições permanentes. Segundo o diretor do MCG, este processo deve ser concluído no segundo semestre de 2024. Até então, estão planejadas pelo menos três exposições itinerantes, que devem trazer novamente visitantes ao prédio histórico.

Foto: José Aldinan

Importância para a história local

Na década de 1920, Ponta Grossa estava em pleno processo de urbanização. Como as cidades coloniais portuguesas, o centro da cidade se forma no entorno de uma praça – no caso, a Praça Marechal Floriano Peixoto. Como explica a professora e historiadora Elizabeth Johansen, a praça reunia as representações de diferentes poderes. Em uma de suas faces, a Igreja Católica, com a Catedral; em outra, o poder militar representado pelo Quartel General; a elite campeira que frequentava o Clube Pontagrossense (hoje Clube Ponta Lagoa); e a representação do poder judiciário, com o antigo Fórum. “A presença daquele imóvel naquele local é exatamente essa representatividade da importância do Poder da Justiça da aplicação das leis”.

São várias camadas de representatividade para a história local. A arquitetura eclética é representativa de seu tempo, mas também dos diferentes grupos que formaram a população da cidade, como os imigrantes europeus que trabalhavam na construção civil e marcenaria e materializaram seu trabalho e sua cultura no imóvel. Com a transferência do prédio para a Universidade, nos anos 1980, acrescenta-se mais um nível: a função cultural de sediar um museu universitário.

Para a pequena Elizabeth, é aí que o edifício entra na sua memória afetiva. “Eu lembro, em 1983, quando foi inaugurado o Museu e a escola me levou para conhecer”. Foi de tirar o fôlego, nesta e em todas as outras vezes em que ela mirou aquelas grandiosas escadarias. “Ele foi impactante para mim por sua presença arquitetônica, pela sua imponência, pela beleza do imóvel. Desde então, eu circulei durante muitos anos, visitando diferentes exposições”, conta a professora, que também foi diretora do MCG por um período. “Nas minhas últimas visitas, eu estava escrevendo minha dissertação de mestrado e passei tardes e mais tardes fazendo pesquisa na coleção do jornal Diário dos Campos, numa das salas daquele imóvel”.  Por isso, voltar a visitar o prédio restaurado foi emocionante.

Cuidado e técnica

A obra constituiu um desafio para as equipes da Pró-reitoria de Planejamento (Proplan) e da Prefeitura do Campus (Precam) da UEPG. As fiscais da obra, a arquiteta e urbanista Emanuele de Almeida, diretora de Planejamento Físico da Proplan, e Eloise Langaro, diretora de Obras e Fiscalização da Precam, explicam que o restauro do Museu foi um processo repleto de singularidades e diferente de outras obras executadas pela Universidade. “Por estarmos em uma instituição de ensino, pudemos compartilhar com nossos alunos muitas das experiências vividas na obra”, exaltam. “Trata-se de uma obra, de um prédio, mas também de um grande laboratório de ensino e pudemos aproveitar essa oportunidade de crescimento profissional coletivo”.

Para o prefeito do Campus, Elias Pereira, ficou marcado o cuidado necessário para garantir a integridade física e estética das peças e instalações de uma construção de quase 100 anos. “O desgaste pelos elementos naturais é comum em qualquer tipo de edificação e, portanto, a restauração visou conservar, reparar e proteger esses elementos, permitindo que as gerações presentes e futuras tenham acesso a uma narrativa viva do passado da cidade de Ponta Grossa e região”, diz.

Além de preservar e recuperar os itens originais, houve um esforço por atualizar as instalações elétricas e hidráulicas da edificação, para trazer segurança para funcionários, visitantes e aos próprios acervos do Museu. “Infelizmente não são poucos os casos de museus e prédios históricos foram degradados e até mesmo acometidos por incêndios devido à falta de manutenção, sendo a segurança um dos maiores objetivos desta restauração.

Destaca-se ainda que a modernização dos espaços expositivos, sistemas de iluminação, condicionamento de ar, sistemas de prevenção contra incêndio e acessibilidade proporcionam um ambiente mais acolhedor e acessível, podendo assim atrair um público mais amplo”, explica o prefeito do Campus.

No restauro das paredes, o trabalho minucioso revelou afrescos e pinturas que não viam a luz do dia há décadas. A escavação arqueológica realizada no terreno descobriu 20.015 peças de metal, vidro, cerâmica e outros materiais, que ajudam a contar a história de Ponta Grossa. “Fragmentos de cerâmicas indígenas, fragmentos da antiga ocupação, moradia ou trabalho do barbeiro/dentista Francisco Barbieri, da construção do Fórum da comarca de Ponta Grossa, da ocupação como Fórum, do intervalo sem uso, com artefatos da chamada arqueologia moderna (objetos das décadas de 40, 50, 60). A arqueologia pode identificar todas estas camadas da história”.

O projeto arquitetônico do prédio de 898,64 m² e dois pavimentos é do engenheiro Ângelo Lopes. A construção ficou a cargo de Paulo Ferreira do Valle, que também construiu outros prédios da cidade, como a Mansão Vila Hilda. Nas fachadas, a arte foi executada por Rodolpho Roedel e pelos irmãos Max e Alberto Wosgrau; enquanto que a carpintaria foi feita por Roberto Amadio. Na entrada, um grande portão de ferro, produzido por Rodolfo Metzentin; e no teto da Sala do Júri, saguão superior e entrada, decorações em relevo feitas por Luiz Collares e Vicente Madalozzo.

Detalhes

Um novo edifício, nos fundos do Museu, vai abrigar as áreas administrativas, reserva técnica e laboratório de conservação. Mas, mais importante que isso, permite o acesso ao segundo pavimento do prédio histórico com acessibilidade, utilizando um elevador e uma passarela que interliga os dois prédios. A fachada espelhada da edificação moderna foi projetada para espelhar a fachada histórica, denotando a preservação da memória e a passagem do tempo. “O Museu está onde a cidade surge e onde ela cresce. Nós buscamos manter a história, mas também queremos desenvolvimento”, enfatiza Sanches Neto.

A descrição do que foi feito no prédio deixa claro o cuidado e o carinho com que o espaço foi preparado para voltar a receber a comunidade princesina: “As salas para exposições mantém suas características espaciais através do restauro de pisos de madeira mantendo os esquemas originais; as janelas que apresentam folhas de madeira interna e folhas de vidro externa, acompanhando a fachada, inclusive sua curva; as portas altas de duas folhas, por vezes com bandeiras de madeira que permitem a passagem da luz; o pé direito alto com forro de madeira, também em esquema de colocação original, que possibilitam grande beleza e conforto espacial.

Foram restaurados os elementos decorativos que lhe conferem grandiosidade, entre eles os forros de estuque, os ornamentos de madeira esculpida, as luminárias, as pinturas artísticas e ladrilhos hidráulicos”. Uma obra repleta de detalhes e de personalidade.

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