A capa da edição dos dias 1º e 2 de maio de 2011 do Diário dos Campos exibia uma foto perturbadora. Nela, um usuário de entorpecentes aparecia em meio a um local insalubre em Ponta Grossa.
Sem identificar o personagem, a manchete ‘Faltam políticas antidrogas em PG’ retratava a história de um rapaz sem qualquer perspectiva de futuro. Antes, cercado por drogas, bebidas e com roupas surradas, o homem fotografado de costas agora comemora a vitória sobre os vícios.
Devidamente identificado, Reinaldo Glusczka, 41 anos, hoje pode contar sua trajetória de superação. Formado em História, está casado na igreja e no civil e trabalha em uma vidraçaria na cidade de Ibaiti.
Reinaldo revela que foi viciado em nove substâncias psicoativas: tabaco, álcool, maconha, cola, cogumelo, chá de buty, cocaína inalada, injetada e fumada (crack), ecstasy e LSD.
Os vícios fizeram com que o então jovem acadêmico de História perdesse tudo. “Eu cheguei a pesar 49 quilos. Quando saí de Ponta Grossa, havia perdido o controle das funções intestinais. Eu urinava e defecava nas calças sem sentir”, lamenta o ex-dependente.
Malabarismo para viver
“Quando eu morava em Ponta Grossa, eu estava morto, meu irmão. Só estava vivo para quem fumava crack comigo e para quem eu dava trabalho”, acrescenta Reinaldo. Ele teve costela quebrada, pulmão perfurado, e metade do rosto amortecido por um ano: efeitos e consequências das drogas.
Em meados de 2018 ele decidiu deixar PG e se tornou andarilho. Viajando pelas ruas, conheceu um malabarista que já tinha pelo menos seis anos de estrada. Com ele aprendeu a arte e viajaram juntos. “O malabarismo de rua salvou a minha vida”, recorda.
Por cerca de dois anos viajou de cidade em cidade, apresentando-se em semáforos e outros cantos do Paraná, de São Paulo e de Minas Gerais. Primeiro com o artista parceiro, depois sozinho, Reinaldo gradativamente reduziu o consumo de drogas.
Dormia em instalações públicas ou nas ruas e se sustentava apenas com as contribuições. Foi um momento de desespero, mas também de reencontro, quando assumiu a responsabilidade de se sustentar sem depender exclusivamente das drogas.
Família e igreja
No seu processo de recuperação, Reinaldo teve recaídas, voltou a ser “noia”, mas também teve avanços. Em suas andanças, decidiu se instalar no município de Ibaiti, onde chegou em busca de drogas, mas também encontrou pessoas que o acolheram.
Conheceu Jéssica, que disse tê-lo visto fazendo malabares em um semáforo, e aconteceu algo além de amizade. Reinaldo está casado há quase quatro anos com Jéssica Franciana da Silva Glusczka, e vive com seus filhos. Em um novo núcleo familiar religioso, ele ressignificou sua jornada pela vida. “O fortalecimento da minha fé em Jesus que me amparou nesse momento através do exemplo de seu amor por mim e do seu evangelho de Paz”, relata o fiel, que hoje frequenta a Igreja Batista da Lagoinha, sob a coordenação do pastor Márcio José Pereira.
Livros detalham a história
Na época da reportagem do DC mencionada no início deste texto, Marco Aurélio, um amigo de Reinaldo, escreveu um livro contando de maneira ficcionalizada a situação do rapaz. “O Intruso” usou o mesmo pseudônimo da reportagem de Edilene Santos para se referir ao então dependente químico – “Mateus”.
Em 2023, o livro “O Intruso” receberá uma reedição especial, lançada pela editora Lambrequim. Será publicada junto à autobiografia de Reinaldo, intitulada “Prisão sem Muros”, editada por Marco Aurélio. O ex-dependente contará o drama que passou e como fez para se reerguer. Ambos os livros devem ser lançados em meados de julho de 2023.
“Estou muito feliz com esse projeto, pois, antes de qualquer coisa, ele simboliza o resgate da sua dignidade. Dignidade reconquistada com muita luta, com muito sofrimento, depois de anos e anos vivenciando coisas que ser humano algum deveria vivenciar”, diz Marco Aurélio.
Blog com relatos
Reinaldo Glusczka mantém o blog no qual conta suas experiências, muito pautadas pela religiosidade. “Eu nasci em Ponta Grossa, no Paraná, no banheiro da rodoviária da cidade. Minha mãe era usuária de cocaína e se prostituía, bebendo muito. E quando cortaram meu cordão umbilical, pela primeira vez na minha vida, fiquei em abstinência”, diz uma de suas postagens.
Políticas públicas após mais de uma década
Em 2011, o Diário dos Campos mostrou como as políticas antidrogas exercidas em Ponta Grossa mostravam ineficiência em atender a esse problema da sociedade. O problema, certamente, não acabou. Mas a Prefeitura de Ponta Grossa descreveu para a reportagem as ações que são realizadas hoje, em 2023.
Palestras
Sobre as ações preventivas e de combate às drogas, além das atividades que envolvem o cotidiano da Guarda Civil Municipal, a Secretaria Municipal de Cidadania e Segurança Pública (SMCSP) através do Departamento de Cidadania (DC) vem realizando palestras nas escolas municipais e em instituições filantrópicas com o tema “Diga não às drogas”. O objetivo é a sensibilização de crianças e adolescentes sobre a questão e temas periféricos.
CAPS AD
O serviço do CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas) leva atenção integral e contínua a pessoas com graves prejuízos relacionados ao uso de álcool, crack e outras drogas. Faz o companhamento no processo de desintoxicação, visando diminuir internamentos hospitalares. O Município conta com 255 pacientes em acompanhamento. Há convênios com Comunidades Terapêuticas para homens e mulheres, com acesso através das Unidades de Saúde. O Programa Vida Nova é voltado à recuperação de servidores públicos municipais dependentes de álcool e drogas.
Instituições
Instituições religiosas mantêm serviços de apoio filantrópicos. O Esquadrão da Vida, fundado em 1978, tem foco na recuperação de homens acima dos 18 anos. O Ministério Melhor Viver, desde 2004 desenvolve projetos socioassistenciais, voltados ao público morador de rua, pessoas em situação de rua, em risco e vulnerabilidade social. Essas e outras entidades, públicas e filantrópicas, integram o Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Drogas, que delibera sobre ações, planejamentos e estratégias para conter e combater os males dos psicoativos.
Proerd
Desde 2000, há o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd). Operado pela Polícia Militar, o programa integra parte da política antidrogas do Governo do Estado. Com base nessa premissa, o Proerd tem se antecipado à ação de traficantes e da violência na escola, família e entorno social, em função do trabalho realizado pelos policiais militares que desenvolvem sua atividade na condição de Educador Social do Programa.