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Empresário de PG faz acordo com menor que furtou sua carteira por meio do Ministério Público

Em fevereiro de 2018, o empresário Edson Berger*, de Ponta Grossa, precisou levar o carro numa oficina mecânica para reparos e deixou seus pertences no veículo enquanto o conserto era feito. Dias depois, um conhecido o alertou que havia cheques dele sendo descontados num mercado local – foi quando percebeu que dinheiro e cheques que estavam na carteira haviam sumido.

Acabou descobrindo que o responsável era um adolescente que trabalhava numa empresa próxima à oficina, e que era até conhecido: “Jamais suspeitaria, era um guri bom”. O rapaz, então com 17 anos, foi encaminhado à polícia. Dias depois, Berger foi procurado pelo Ministério Público do Paraná com a proposta de que o caso fosse tratado pelo método restaurativo, uma abordagem diferente do rito criminal comum. “Topei porque conhecia o menino. Pensei que, se fosse para um desses centros de socioeducação, desses comuns, sairia pior”, afirma.

Ele e o adolescente, acompanhado da mãe, participaram então de um círculo restaurativo, conduzido pela equipe do MPPR. Todos tiveram a chance de expor suas versões para o caso e justificativas para o ocorrido. Ao final, o jovem pediu desculpas e comprometeu-se a pagar o prejuízo do empresário.

Feito isso, a situação foi verificada e relatada pelo Ministério Público ao Judiciário e o procedimento então arquivado. “Para mim, como vítima, foi totalmente válido, nem tanto pelo retorno do prejuízo financeiro, mas pela lição que o rapaz aprendeu. Creio que ali voltou a se encaminhar”, afirmou Berger, que até então não conhecia a justiça restaurativa. “Nesse meu caso foi muito positivo”, avalia.

Pacificação social

“As práticas autocompositivas, dentre as quais a justiça restaurativa, propõem uma atuação diferenciada pelas instituições integrantes do sistema de justiça, focada mais nas necessidades da vítima e na mediação para a superação do conflito. São formas de interagir importantes e contribuem para ser atingida a tão almejada pacificação social”, afirma o procurador-geral de Justiça, Gilberto Giacoia.

Ele lembra que no MPPR existe, desde 2018, o Núcleo de Práticas e Incentivo à Autocomposição, o Nupia, que trabalha para promover a adoção de práticas da Justiça Restaurativa no âmbito do Ministério Público. Essa unidade é coordenada pela procuradora de Justiça Samia Saad Gallotti Bonavides, que também é subprocuradora-geral de Justiça para Assuntos de Planejamento Institucional.

“A lógica convencional, baseada no punitivismo como resposta para tudo e, principalmente, para o crime, não parece ser a mais satisfatória para a vítima, conforme pesquisas e observações, pois mesmo depois que o agressor recebe a pena judicial, fica a sensação de que ela é insuficiente, porque o sentimento gerado pela prática deixa rastros psicológicos, traumas, e eles não são superados pela punição”, avalia Samia.

Círculos restaurativos

A coordenadora do Nupia diz que o MPPR já tem em andamento projetos voltados à promoção da justiça restaurativa, desenvolvidos até antes da criação do núcleo especializado, como, por exemplo, o trabalho conduzido pela 14ª Promotoria de Justiça de Ponta Grossa – que atuou no caso citado no início da matéria.

Coordenado pela promotora de Justiça Vanessa Harmuch Perez Erlich, o projeto atende desde 2017 situações de proteção de infância e juventude e idosos, mas, principalmente, feitos relacionados a adolescentes em conflito com a lei, ou seja, que cometeram atos infracionais.

Desde junho de 2017, 55 procedimentos foram encaminhados para análise da viabilidade de aplicação das práticas restaurativas. Desses, 53 foram considerados aptos, com adesão dos principais envolvidos em 64% deles – totalizando 34 círculos restaurativos efetivamente realizados. Houve consenso em 28, ou seja, em 82% dos procedimentos ocorreu alguma forma de responsabilização pelo dano causado pelo ofensor à vítima.

Causa da violação

Nesse projeto, em situações avaliadas como passíveis de atuação restaurativa, antes de seguir o caminho convencional das vias judiciais, que seria de medida protetiva ou restritiva de direitos ao adolescente infrator, o MPPR propõe ao agressor e a seu representante legal a possibilidade de tratamento restaurativo. “Busca-se assim tratar todo o contexto que levou ao ato infracional, é uma abordagem que se destaca por atuar na causa da violação, não apenas no resultado.

O ato infracional via de regra é a ponta do iceberg de uma situação de conflito muito maior”, afirma a promotora Vanessa. “O sistema convencional não consegue trabalhar de forma adequada nem o agressor nem dar uma resposta efetiva à vítima que faz o boletim de ocorrência, e sua participação no caso se encerra ali. Entendo que ela, como vítima, acaba sendo subvalorizada, é mera prova nos autos, diferente do que ocorre no método restaurativo”, avalia.

Ponta Grossa

Em Ponta Grossa, vítima e agressor participam de uma roda de conversa conduzida por mediadores do MPPR com formação em prática restaurativa, método chamado “círculo restaurativo”. “Procuramos fazer com que a vítima seja valorizada, ela tem voz, toma parte da responsabilização do adolescente que cometeu o ato infracional”, diz a promotora Vanessa.

Muitas vezes a pessoa que foi vítima não quer a prisão do agressor, busca apenas uma resposta, ‘porque eu? porque minha casa?’. O círculo restaurativo oferece isso, tem essa linha terapêutica forte”. Ao fim, são definidos os compromissos do agressor – vão desde produzir trabalhos escolares sobre a não-violência a pedidos formais de desculpas, ou mesmo a reparação financeira dos danos que causou.

Depois de gerir o círculo, o MPPR acompanha o trabalho, verifica se tudo foi cumprido e, ao final, remete as informações ao Judiciário, que arquiva o processo relacionado ao adolescente.

*O nome foi alterado para preservar a imagem do entrevistado.

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