O Prof. Dr. Sérgio Monteiro Zan, Presidente em exercício da Academia de Letras dos Campos Gerais, apresentou, na semana, com a competência que lhe é inerente, leitura guiada do poeta português Guerra Junqueiro. Abílio Manuel Guerra Junqueiro nasceu em Freixo de Espada à Cinta, Portugal, no dia 17 de setembro de 1850. Poeta, político e jornalista, foi um dos representantes da chamada “Escola Nova”. Poeta panfletário, muito popular em sua época, ajudou a criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República. Entre 1911 e 1914, foi o embaixador de Portugal na Suíça. Guerra Junqueiro faleceu no dia 7 de julho de 1923, em Lisboa, Portugal. Seu livro A velhice do Padre Eterno provocou severas réplicas por parte da opinião clerical. O poema “O melro” integra o livro A velhice do Padre Eterno, publicado em 1885, no Porto, Portugal. Segue um excerto seu e fotos da última reunião ordinária.
(Fotos do acervo da acadêmica Luísa Cristina dos Santos Fontes)






O melro
O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar d’entre o arvoredo
Verdadeiras risadas de cristal.
E assim que o padre cura abria a porta
Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias,
O melro d’entre a horta
Dizia-lhe: «Bons dias!»
E o velho padre cura
Não gostava d’aquelas cortesias.
O cura era um velhote conservado,
Malicioso, alegre, prazenteiro;
Não tinha pombas brancas no telhado,
Nem rosas no canteiro;
Andava ás lebres pelo monte, a pé,
Livre de reumatismos,
Graças a Deus, e graças a Noé.
O melro desprezava os exorcismos
Que o padre lhe dizia:
Cantava, assobiava alegremente,
Até que ultimamente
O velho disse um dia:
«Nada, já não tem jeito! este ladrão
Dá cabo dos trigais!
Qual seria a razão
Porque Deus fez os melros e os pardais?!»
E o melro no entretanto,
Honesto como um santo,
Mal vinha no oriente
A madrugada clara
Já ele andava jovial, inquieto,
Comendo alegremente, honradamente,
Todos os parasitas da seara
Desde a formiga ao mais pequeno inseto.
E apesar d’isto o rude proletário,
O bom trabalhador,
Nunca exigiu aumento de salário.
Que grande tolo o padre confessor!
Foi para a eira o trigo;
E armando uns espantalhos
Disse o abade consigo:
«Acabaram-se as penas e os trabalhos.»
Mas logo de manhã, maldito espanto!
O abade, inda na cama,
Ouviu do melro o costumado canto,
Ficou ardendo em chama;
Pega na caçadeira,
Levanta-se d’um salto,
E vê o melro a assobiar na eira
Em cima do seu velho chapéu alto!
Chegou a coisa a termo
Que o bom do padre cura andava enfermo,
Não falava nem ria,
Minado por tão íntimo desgosto;
E o vermelho oleoso do seu rosto
Tornava-se amarelo dia a dia.
E foi tal a paixão, a desventura,
(Muito embora o leitor não me acredite)
Que o bom do padre cura
Perdera… o apetite!
Poema na íntegra em: https://biblioteca.torres.rs.gov.br/wp-content/uploads/2021/11/ junqueiro-guerra-a-velhice-do-padre-eterno.pdf
