Rafael Gustavo
Pomim Lopes
Cadeira 4
Diz o ditado que todo homem deve ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Osmar Pedroso talvez não tenha deixado páginas impressas em papel, mas escreveu em vidas. Foi, como lembra o historiador Divair da Silva, “um leitor voraz, assinava livros, revistas e jornais, possuindo um rico vocabulário”. Um homem que cultivava palavras como quem cultiva flores, mas que escolheu semear, sobretudo, gestos de amor.
Foi em um domingo de primavera, 15 de setembro de 1940, que nasceu em Ponta Grossa sua filha, Maria de Lourdes Osternach Pedroso. Tomado por uma emoção que não cabia no peito, Osmar caminhou até o quintal da Fazenda Capão Bonito, em Cachoeirinha — hoje Arapoti —, e diante do Casarão da família, plantou uma paineira. Não quis apenas marcar o nascimento da filha; quis dar-lhe uma companheira de vida. Uma irmã.
E assim, nasceram juntas: a menina e a paineira. Uma acolhida no calor do colo materno, outra no aconchego da terra fértil.
Enquanto Maria de Lourdes aprendia a sorrir, a paineira erguia seus primeiros galhos. Enquanto a menina descobria o mundo nos livros do pai, a árvore escrevia versos invisíveis no céu. Quando a menina completava anos, era como se a paineira, em sua explosão de flores, cantasse parabéns. Lourdinha nunca teve dúvidas: aquela árvore não era apenas uma árvore. Era sua irmã gêmea, nascida do mesmo gesto de amor paterno.
O tempo passou. Pessoas se foram, paisagens mudaram, lembranças se dispersaram. Mas a paineira ficou. Guardiã silenciosa de uma história de amor, plantada para resistir às estações.
O Casarão, que foi sede da antiga fazenda, ainda está de pé. Hoje pertence à Prefeitura. Tornou-se espaço cultural e de memória — como se o próprio destino tivesse decidido preservar não só as paredes, mas também as raízes que nele habitam.
E então, numa tarde de inverno, em 16 de agosto de 2025, aconteceu o reencontro. Maria de Lourdes voltou ao Casarão acompanhada pela Academia de Letras dos Campos Gerais. O céu estava completamente azul, azul de doer os olhos, como se tivesse sido pintado só para esse momento.
No quintal, erguia-se a paineira. Sem folhas, despida pela estação, mas viçosa, gigante, soberana. A nudez da árvore, contra o azul imenso do céu, era um retrato de força: não era ausência, era promessa. Não era morte, era permanência.
Ao vê-la, Maria de Lourdes sentiu o coração apertar. As lágrimas vieram sem pedir licença. Ali estava sua irmã. O tronco largo, os galhos estendidos, as marcas do tempo — tudo aquilo lhe dizia que a infância ainda estava viva, apenas transformada.
E então o vento soprou leve entre os galhos secos. Foi como se o próprio Osmar falasse: “Minhas filhas, enfim juntas outra vez”. E naquele instante, Maria de Lourdes não estava apenas diante de uma árvore, mas diante do colo do pai, do calor da mãe, do abraço da infância que nunca partiu.
A menina e a paineira se olharam como quem se reconhece no espelho. Uma trazia as marcas do tempo no rosto; a outra, cicatrizes no tronco. Ambas estavam de pé. Ambas haviam sobrevivido às tempestades, aos invernos, às mudanças.
E naquele encontro, sob o azul infinito de Arapoti, a menina e a paineira se abraçaram em silêncio. Um abraço de raiz e lágrima, de essência e memória. Duas vidas que nasceram juntas e que, mesmo quando a última folha cair, jamais se separarão.
Porque há amores que não conhecem fim. São eternos como árvores. São eternos como a saudade.




Nota da secretaria: Rafael Gustavo Pomim Lopes é o Primeiro Ocupante da Cadeira 4 da Academia de Letras dos Campos Gerais e Maria Lourdes Osternach Pedroso é a Fundadora da Cadeira 37. Fotos da Assessoria da Prefeitura Municipal de Arapoti e da acadêmica Luísa Cristina dos Santos Fontes, Fundadora da Cadeira 5. Flávio Madalosso Vieira, Primeiro Ocupante da Cadeira 40, é o Presidente da ALCG.
