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Produtores do Socavão voltam a ser ameaçados por pistolagem em Castro

Sindicato Rural promoveu uma reunião entre produtores, polícia e judiciário para discutir o tema

Foto: José Aldinan/DCMAIS

Produtores rurais do distrito rural Socavão, em Castro, voltaram a sofrer com os casos de pistolagem que iniciaram há mais de um mês e acreditava-se que já tinham sido pacificados. Um produtor rural de 86 anos foi a última vítima conhecida.

“Na semana passada chegou um carro com placas de Arapongas com um homem armado e outro que se dizia advogado, dizendo que eu tinha que tirar o meu gado da minha propriedade porque a terra era deles e eles iriam plantar pinus. Eles disseram que se eu não fizesse isso eles iam voltar com a polícia para me expulsar de lá, mas eu tenho todos os documentos de quando meu pai comprou a área”, contou Jeronimo Ferrarini, produtor rural que possui a sua propriedade desde 1957.

O relato foi feito durante uma reunião realizada ontem (11) no Sindicato Rural de Castro que envolveu cerca de 80 pessoas, entre produtores rurais, a polícia e o judiciário. O intuito foi explanar a situação às autoridades e levar orientações aos moradores do Socavão – como acionar a polícia em casos de abordagens e já reunir os documentos das terras para se defender de possíveis ataques judiciais.

Metodologia de ‘milícia’

O Sindicato Rural de Castro descreve os suspeitos como integrantes de uma milícia armada. Segundo a entidade, os homens armados já chegaram a ameaçar atear fogo em tratores e equipamentos dos produtores, dizendo estar a serviço dos verdadeiros proprietários das áreas, e exibindo documentos de procedência duvidosa. 

Mas além da técnica de grilagem, que desde a época da colonização se utiliza de documentos falsos, os problemas podem ser oriundos de uma ação legal. De dezembro de 2019 a maio de 2020 ficou em vigor a Medida Provisória 910, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, que extinguiu a necessidade de assinatura dos vizinhos no caso de georreferenciamento dos imóveis rurais. 

Neste tempo os criminosos aproveitaram para se apossar ‘burocraticamente’ de algumas terras que estão há muitos anos em posse de comunidades locais, como as do Socavão – e agora a discussão segue no Poder Judiciário, enquanto a pistolagem segue ocorrendo no distrito.

Violência

Para o desembargador Fernando Prazeres, presidente da comissão de conflitos latifundiários do Tribunal de Justiça do Paraná, a situação de se resolver os casos com ameaças e coações é “inadmissível”. “Eu não posso emitir nenhum juízo de valor sobre quem tem ou não tem direito, mas essa situação de milícia é inadmissível, pois deve ser resolvida pelos meios legais e judiciais”, afirmou ele.

Para o tenente-coronel Ginotti, comandante do 1º BPM, o cenário é constrangedor para o trabalhador. Se referindo à como os produtores devem agir ao ser abordados, ele reforçou que deve ser pelos meios legais e com o apoio da polícia. “Não deixem que isso vire uma chacina. Tem que se defender dentro da legalidade da lei. Já identificamos diversos suspeitos e estamos reforçando a patrulha rural para coibir estes casos”, apontou ele.

Outros casos de pistolagem no Socavão

Um dos primeiros casos chamou a atenção pelo prejuízo causado na região.  Rubens Wiecheteck Neto e seu sócio perderam cerca de 255 toneladas de madeira, que foram retiradas ilegalmente da sua propriedade. “Plantamos 40 alqueires com pinus há 18 anos e agora que tínhamos vendido toda a madeira, quando a empresa que comprou foi iniciar o corte os milicianos chegaram e disseram que eles eram os donos. A empresa se retirou da área e eles levaram a madeira”, contou o empresário.

Durante a reunião de ontem (11) diversos casos foram relatados, entre eles o da Família Ortiz. Emocionada, Maria Rosana foi às lágrimas quando disse que no ano passado, quando foi fazer o georreferenciamento da propriedade que é da sua família há mais de 150 anos, descobriu que as terras estavam registradas no nome de outras pessoas. 

“É uma situação que nos preocupa muito, até porque temos medo da violência. Na semana passada havia um carro rondando a nossa propriedade para nos intimidar, por exemplo”, disse ela.

Dimensões

A sede do distrito de Socavão fica a cerca de 40 km do centro de Castro. Desses, menos de 10 km são asfaltados; o restante é de terra, com intenso tráfego de caminhões. Lá moram aproximadamente 2 mil famílias e existem cerca de 700 produtores, que ocupam quase 28,2 mil hectares – mais de 10% da área do município. Os colonizadores chegaram na região há cerca de 100 anos e boa parte das propriedades, predominante pequenas e médias, ainda pertencem a descendentes.

Presenças

Também estiveram presentes na reunião que tratou sobre a pistolagem no Socavão o prefeito de Castro, Álvaro Telles, o ex-prefeito Moacyr Fadel, o presidente da Câmara de Vereadores, Neto Fadel, o presidente do Sindicato rural de Castro, Eduardo Gomes, o presidente do Sindicato Rural de Ponta Grossa, Gustavo Ribas Netto, representantes da polícia militar e do Choque, advogados, e outras autoridades.

Documentos do Socavão são famosos

Os documentos que embasam a reivindicação de propriedade dos 28,2 mil hectares no distrito do Socavão, em Castro, se tornaram nacionalmente conhecidos em junho e julho de 2021, devido à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal, que investigou a compra de vacinas contra a covid-19. Mais especificamente quando a pauta foi a tentativa de compra do imunizante Covaxin, um negócio de R$ 1,5 bilhão. Acordo que, no final de agosto, foi unilateralmente cancelado pelo Ministério da Saúde.

A transação comercial internacional para a compra da vacina que era conduzida pela Precisa Medicamentos – farmacêutica que intermediava a venda da vacina Covaxin, produzida pela farmacêutica indiana Bharat Biotech – com o governo brasileiro, exigia garantias. Uma dessas garantias foi justamente os questionáveis registros de propriedade das terras no distrito rural castrense. Documentos esses que já haviam sido apresentados, e rejeitados, pelo Governo do Paraná, em uma tentativa de quitação de dívida tributária.

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