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Em primeiro debate sobre a cadeia leiteira, pequenos produtores apontam ideias para driblar a crise no setor

Foi realizada ontem (6) a primeira audiência virtual do Fórum Nacional de Incentivo da Cadeia Leiteira, realizado pela deputada federal Aline Sleutjes com o apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)e da Subcomissão do Leite na Câmara. A parlamentar foi a mediadora da reunião em que os seis participantes – cujas produções são de até 500 litros – expuseram suas demandas e deram sugestões sobre como superar as dificuldades deste segmento. 

Na abertura, Sleutjes, que é diretora-executiva da FPA, apresentou dados nacionais acerca da cadeia leiteira. Além do destaque para a economia, a parlamentar ressaltou a importância nutricional do alimento que, para ela, deve ser tratado também como uma questão social por evitar o êxodo rural, melhorar as condições de vida do homem do campo, e promover a sucessão de pais para filhos. O primeiro participante que expôs a realidade ‘da porteira para dentro’ foi Rafael Hermann. A propriedade dele fica em Boa Visto do Cadeado, no Rio Grande do Sul. O produtor usou o adjetivo ‘preciosa’ para se referir à atividade leiteira, que é a única fonte de renda de sua família.

“Sonho em transformar esse meu hoje pequeno negócio em um grande. Na minha cidade, problemas relacionados ao clima dificultam os trabalhos. Longos períodos de seca ou de chuvas prejudicam a qualidade do pasto e a alimentação dos animais. Infelizmente nossa realidade é difícil, a maioria dos produtores da agricultura familiar vive no limite e está no ‘vermelho’. Nem mesmo o recente reajuste do preço do leite amenizou a situação”, declarou Rafael.

A produção de leite da propriedade da participante Gislaine Oliveira é de 350 litros de leite por dia. A atividade dela é desenvolvida no município de Dracena, em São Paulo. Durante a audiência virtual, Gislaine expôs que cabe a todos os produtores buscar avanço, tecnologia e inovação. “Lutamos por eficiência na nossa atividade. Mas, nos faltam equipes técnicas, ferramentas automatizadas para a irrigação do pasto ou a ordenha mecanizada, por exemplo. Trabalhamos durante um mês, aguardamos outros 30 dias pelo retorno financeiro que é bem aquém do que produzimos e mal dá para manter as contas em dia. Era necessário que nós tivéssemos mais autonomia para determinar quanto vale o nosso produto de forma mais justa, sem ficar à mercê de uma decisão do mercado”, avaliou Gislaine, que complementou: “Recorrer às cooperativas é uma alternativa, pois a concorrência com as indústrias é desleal. Muitas vezes, o valor do litro tem centavos de diferença para os das cooperativas, e os produtores não dão prioridade. Também temos que cumprir uma série de normativas, o que é difícil em muitos momentos com a pouca contrapartida por parte do poder público”.

O produtor Airton Gottem, de Boa Vista do Buricá, no Rio Grande do Sul, contou que faz parte da cadeia do leite desde 2008. Sua atividade começou com oito litros por dia. Assim como Rafael, ele pontuou que as condições climáticas do estado dificultam os trabalhos. Além disso, Gottem ressaltou os custos altos da produção: enquanto o preço de alguns insumos é de acordo com valor do dólar, as negociações que envolvem o valor do leite são feitas em real. Airton ainda lamentou a falta de incentivos visando prevenir o êxodo rural.

“Vejo como maior desafio a sucessão dessa atividade no âmbito familiar. Nossos filhos não consideram atrativo ou rentável dar continuidade a um negócio em que acordamos por volta das 5 da manhã, diariamente, e não temos hora para finalizar os trabalhos. Não existem sábado, domingo ou feriado para nós, nem mesmo frio congelante ou calor. O retorno financeiro não é tão compensatório. Por isso, precisamos de mais garantias”, declarou Airton Gottem.

Para Anselmo Pivatto, que tem propriedade em São Miguel do Iguaçu, no Paraná, o produtor de leite ‘não é o vilão’. A observação dele foi feita em relação aos reajustes do preço do alimento para o consumidor final. Segundo Pivatto, ‘o produtor é quem ganha menos na ponta dessa cadeia’.

“Nossa busca por eficiência é diária, mas isso requer investimentos extras. Porém, como gastar mais do que o planejado com um mercado tão volátil e incerto? Gostaríamos de poder contar, por exemplo, com as tecnologias e avanços genéticos disponíveis para nosso mercado, mas é fora da nossa realidade financeira no momento. Vemos negócios indo à falência e ficamos preocupados, não queremos ter que enfrentar isso”, desabafou.

De Leopoldina, Minas Gerais, Paulo Junqueira pontuou que ‘assistência técnica para o pequeno produtor praticamente não existe’. Ele disse que a burocracia para obtenção de linhas de crédito é um dos principais problemas da categoria, que chega a abrir mão de sua propriedade como garantia para solicitar empréstimos, por exemplo.

“O Brasil tem uma vocação divina, que é a da produção de alimentos. Em alguns municípios, somos a principal fonte de arrecadação de prefeituras, mas a maioria dos investimentos acontece nos centros urbanos, enquanto o campo é esquecido. Eu faço parte da cadeia leiteira por amor, mas realmente precisamos de contrapartidas para nos desenvolver de forma mais sólida”, afirmou Junqueira.

A audiência virtual contou ainda com a participação do produtor Thiago Rodrigues, de Anicuns, Goiás. Na propriedade dele, a atividade gera 420 litros de leite por dia. Problemas apontados por Thiago foram a falta de mão-de-obra qualificada na área, taxas, juros e outros impostos embutidos nas propostas de financiamentos junto aos bancos públicos, e que a categoria recebe somente de retorno financeiro o valor referente à matéria-prima, enquanto o leite é utilizado em uma grande indústria de derivados.

“Sabemos o quanto somos necessários para a economia dos nossos municípios, e que fazemos a diferença nos âmbitos estadual e nacional. Porém, consideramos que há uma grande desvalorização da nossa categoria por sermos classificados como pequenos da agricultura familiar. Mesmo assim, mantemos o foco e a esperança em elevar a produção de leite nesse país a um patamar ainda não visto na história desse produto. Juntos, somos mais fortes”, declarou, otimista.

A deputada federal Aline Sleutjes fez balanço positivo da primeira audiência do fórum virtual, destacando que a legislação e as políticas públicas voltadas aos produtores do Agro tem tido avanços significativos nos últimos tempos:

“O leite está presente na vida de praticamente todo cidadão: no café da manhã das famílias, nas merendas escolares, em muitos produtos caseiros ou industrializados, enfim, o leite faz parte da nossa cultura alimentar. Sabemos que enfrentamos problemas nesse setor há muito tempo, mas agora agravados principalmente pela pandemia do Coronavírus, que deixou o mercado interno com mais problemas. Temos batalhado junto ao Governo Federal que está sensível a essa demanda, é um grande parceiro por meio das ações dos ministérios da Agricultura, Economia e outros. Cito como exemplo as condições, vigentes, desde o último dia 1º, de financiamentos para os agricultores por meio do novo Plano Safra, que propõe juros mais baixos, menos burocráticos e outros benefícios. Não queremos que o pequeno produtor pague para trabalhar. Vamos somar esforços para mudar essa realidade”, garantiu a vice-líder do Governo na Câmara.

Aline Sleutjes acrescentou que, no final das audiências do fórum, que contará com mais cinco encontros virtuais, sendo um por semana, a ideia é apresentar um plano para cadeia leiteira visando às soluções que esse setor necessita.

“O leite faz parte da economia de 99% dos municípios do Brasil e representa o montante de 20 milhões de empregos diretos e indiretos. Espero que possamos olhar para o passado como uma escola de bons aprendizados e sensação de dever cumprido, e vislumbrar o futuro com esperanças redobradas para a evolução, eficiência, tecnologia e adequação da cadeia produtiva do leite”, finalizou a deputada federal.

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