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Teatro e circo em grande estilo

Um espetáculo que tem como mote as lembranças de um picadeiro de circo por um palhaço que, ao mesmo tempo, relembra sua vida e se dá conta que está à procura da neta. Simples assim.

A história contada pela montagem de Caravana: Memórias de um Picadeiro, que mescla teatro e dança com números circenses de acrobacia, malabarismo, trapézio, lira etc., é tão simples que poderia até passar batida não fosse o fato de ser um belíssimo espetáculo e de ter sido escrita por ninguém menos que Luiz Alberto de Abreu, o dramaturgo que há alguns anos vem encantando os palcos brasileiros e até mesmo a tela de tevê (é dele, por exemplo, a coautoria do texto da microssérie Hoje é Dia de Maria, dirigida por Luiz Fernando Carvalho, que passou na Globo em duas temporadas, entre 2005 e 2006); e ter sido dirigido por Chico Pelúcio, integrante do grupo Galpão, indiscutivelmente a maior referência teatral do Brasil hoje, que está completando 30 anos em 2012. Para completar, o argumento do espetáculo é assinado por Beto Andreetta, um dos idealizadores do Circo Roda, proposta teatral que juntou os grupos Pia Fraus e Parlapatões, em 2005, e que já está na sua quarta produção trilhando um objetivo muito claro e infalível: resgatar o teatro-circo brasileiro.

Voltando a Abreu, o texto de Caravana… torna-se mais especial ainda por levar ao palco não um simples entretenimento, feito apenas e tão somente para divertir, mas por colocar em cena questões da vida, angustiantes e absolutamente presentes. Para começar, é visível o esforço para imbricar elementos de teatro dramático e épico com números circenses modernos que flertam com a origem do circo e também dança, muito bem executada por acrobatas/bailarinos/atores.

A começar pelo cenário, que faz uma espécie de ode ao Teatro de Revista, que iniciou no século 19 e fez muito sucesso entre as décadas de 1920 e 1950. Trata-se de uma espécie de rolo de panos pintados, instalados no fundo do palco, que vão demarcando cada período e lugar contados pelo palhaço Caturron (Ronaldo Aguiar, em ótima atuação). Ele relata o início do circo, no Rio de Janeiro, e, aos poucos, a sua trajetória em locais onde a arte circense floresceu e prosperou: Minas Gerais, Amazonas, Bahia, Paraná, Brasília e, por fim, São Paulo. É claro que estão faltando outros lugares, mas a proposta do espetáculo é contar a história do circo simbolicamente.

O destaque é para a cena em Minas Gerais (ecos de A Rua da Amargura: 14 Passos Lacrimosos da Vida de Jesus, montado pelo Galpão em 1994?), quando entram os acrobatas/bailarinos vestidos de túnicas à moda de religiosos católicos. A cruz feita por um casal de acrobatas é soberba, e o toque, digamos, lúdico da cena são vários ‘sacristães’ se balançando em cordas como a baterem sinos. Na cena paranaense, aparece ao fundo o Ópera de Arame, de Curitiba, e o número com um grande círculo é bastante sofisticado.

O que chama a atenção são as abordagens sem um pingo de lugar-comum em cada local representado, como seria de esperar em cenas desse tipo. A exceção talvez seja Brasília que, muito embora, seja representada por uma embolada, tocada e cantada pelos três atores principais (Aguiar, Felipe de Oliveira/palhaço Catrainha, e Gabriela Bernardo/neta), tem como tema o surrado mote da corrupção. Uma sugestão: por que não aproveitar o momento para fazer um manifesto para a não-utilização da palavra palhaço para designar políticos?

Caravana… mostra uma montagem de absoluta beleza, vigor estético e com uma valorização do circo por um belíssimo texto e uma direção segura e cheia de criatividade. Além disso, é uma evolução do próprio Circo Roda, que começou com o excelente Stapafúrdyo, em 2006, continuou com o ótimo Oceano, em 2008, e com DNA: Somos Todos Muito Iguais, em 2010/2011, que, embora partisse de um primoroso ponto de partida, evidenciado no subtítulo, ficou a meio caminho por não conseguir expressar plenamente essa ideia nas cenas. Caravana…, dessa forma, é, ao mesmo tempo, uma volta ao teatro e uma consolidação de que é esse o caminho a seguir.

É significativo que o espetáculo tenha estreado no último dia 15 em Ponta Grossa, a terra do Fenata, patrocinado pela Rodonorte. A última apresentação é no próximo domingo (25) e, daqui, segue para Curitiba, no início de abril, e depois para temporadas em São Paulo e Rio de Janeiro.

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