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O legado ético e espiritual de Bento XVI

Fabio Anibal Goiris

 

No instante em que o mundo ainda está assimilando o impacto de uma renúncia papal que não ocorria há mais de 598 anos, embora esteja prevista no artigo 332 do Código Canônico, resta analisar o legado do Papa Bento XVI. Excluindo o seu papel conservador, inquisidor e certamente reprovável contra a Teologia da Libertação enquanto cardeal Ratzinger, é importante analisar alguns temas defendidos pelo seu pontificado.

Bento XVI foi um papa diferente de todos os anteriores face à sua extraordinária formação intelectual. Sua compleição acadêmica é reconhecida em várias universidades – especialmente sua Tese de Doutorado (de 1953) Povo e Casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho e também seus livros de teologia e Cristologia.

 Em primeiro lugar, Bento XVI defende o conceito de que fé e razão são elementos inseparáveis. Fé e razão são compatíveis e se complementam.  Crer em Jesus é um ‘logos’ (uma razão e uma fé ao mesmo tempo). Significa cultivar a lógica em sentido amplo como a máxima expressão da pessoa. Isto levou os monges medievais a constituir escolas e bibliotecas, levou os bispos a instituir universidades, levou tantas pessoas de Igreja a dar sua contribuição à pesquisa científica (Copérnico, Pascal, Redi, Mendel e tantos outros). Pobre do homem que quer explicar tudo, inclusive o que não se conhece (vida, morte, infinito, doença, amor) apenas através da ciência. Pobre do homem também que usa a fé como panaceia metafísica. Santo Agostinho dizia: Fides nisi cogitatur nulla est (a fé, se não é pensada, não é nada).

Em segundo lugar, Bento XVI lutou contra o relativismo que ele chamou num artigo de ‘Ditadura do relativismo’. Para muita gente no mundo de hoje os valores éticos e religiosos são relativos e conduzem sua vida para um perigoso vale-tudo. Estas pessoas relativistas não querem reconhecer nada como definitivo. Apenas consideram as suas ideias individuais e os seus desejos como as medidas de todas as coisas. Os relativistas classificam as pessoas com fé e religiosidade definida quase que como desarrazoadas. Até mesmo religiosos e sacerdotes que são relativistas morais aceitam o aborto, a manipulação de embriões, etc. Não é lícito, diz Ratzinger, que cada cristão queira fazer a fé e a moral segundo o seu próprio juízo do bem e do mal.

Por fim, Bento XVI defendeu também a identidade da igreja católica e procurou valorizar a imensidão dos seus mais de dois mil anos de história e cultura. Embora criticado, procurou recuperar a missa em latim e as vestes tradicionais dos sacerdotes. Mais ainda: procurou resgatar a identidade espiritual do ‘Jesus básico’, didático, muitas vezes esquecido, como figura central da religião. Mesmo sendo um dos maiores teólogos vivos do cristianismo e em pleno pontificado escreveu uma série de livros extraordinários que tratam da infância e da vida de Jesus.  O papa Bento XVI ficaria ainda mais bem-aventurado se soubesse que aqui no Brasil existe um adesivo que apela claramente à identidade: Sou feliz porque sou católico.

 

                                                O autor é cientista político e professor da UEPG.

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