No artigo para o Diário dos Campos, o advogado e historiador Josué Corrêa detalha um episódio histórico de 1739 em Ponta Grossa. Sua pesquisa revela como a revolta de pessoas escravizadas em uma fazenda levou as autoridades a emitir um decreto que ordenava marcar com a letra “F” a pele de quem fugisse em busca de liberdade.
Quilombos
Nos Campos Gerais do Paraná, a mão de obra gratuita foi largamente utilizada. Basta que se dê uma olhada nos antigos inventários realizados nas comarcas de Ponta Grossa ou de Castro, para que se avalie quão firme e inabalável era o sistema escravocrata.
Porém, ao longo dos anos em que a escravidão era olhada com naturalidade, fatos aconteceram na região para evidenciar que o elemento servil não se curvava facilmente ao destino que lhe era empurrado garganta abaixo. Um desses acontecimentos remonta ao longínquo ano de 1739.
Dentre os “nobres paulistas” que haviam requerido sesmarias nos chamados dos Campos Gerais de Curitiba, encontrava-se Domingos Teixeira de Azevedo que, desde 1713, já conseguira titular os imóveis Itaiacoca, Santa Cruz e Cambiju. Com sua morte, ficou a viúva Anna de Siqueira e Mendonça administrando essas propriedades através de prepostos. Nas fazendas de Itaiacoca e Sta. Cruz, deixou seu filho José Tavares de Siqueira como responsável. E no latifúndio do Cambiju, colocou como administrador Domingos de Souza que, com mais dois agregados, comandava os cerca de quinze escravos e se dedicava à criação de mais de mil cabeças de gado e ao cultivo de milho e feijão.
Ocorre que a escravaria veio a se revoltar diante do tratamento desumano que recebia do dito feitor, culminando por assassiná-lo juntamente com os dois empregados, também aproveitando para roubar mantimentos, trastes de cozinha, roupas e uma espingarda para depois refugiar-se nas grotas de Vila Velha.
Os poucos moradores da região entraram em pânico porque também sabiam da existência de quilombos em Itaiacoca, nos quais se acoitavam escravos fugidos que vinham de longe.
Ciente do que acontecera em Cambiju, o Ouvidor Geral de Paranaguá determinou ao juiz ordinário de Curitiba que, em companhia do coronel Braz Veloso, procedesse à arrecadação dos bens das vítimas e à captura dos insurretos, complementando que a prisão deveria abranger a todos os escravos fugidos que estivessem homiziados na região. Veloso, de sua parte, convocou como seu auxiliar o português Domingos Martins Fraga, proprietário da estância de Santa Fé no bairro de Ponta Grossa. O grupo partiu, de imediato, no encalço dos escravos autores do triplo homicídio e dos outros reunidos nos quilombos.
Por fim, conseguiram localizar e prender diversos escravos, inclusive alguns que participaram do delito. Motivadas por esse evento, as autoridades baixaram o Aviso Régio de 3/3/1741, instruindo que escravos fugidos deveriam ser marcados a fogo com a letra F numa das espáduas. E, se já presente esse sinal, ser-lhes-ia cortada uma das orelhas…
O autor é um dos fundadores da Academia de Letras dos Campos Gerais, advogado, e foi juiz, vereador e prefeito da cidade de Prudentópolis, de onde é natural. Entusiasta da História, é autor de diversos livros, incluindo “Das Colinas do Pitangui…” e “Corina Portugal: História de Sangue e Luz”.
