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O declínio da constituição americana

Fabio Aníbal Goiris

Nos últimos anos, o mundo inteiro vem percebendo a ocorrência de um fenômeno peculiar na área do Direito Constitucional Internacional: as leis norte americanas aprovadas pela Convenção Constitucional da Filadélfia (Pensilvânia), em 1787, vêm sofrendo um inexorável declínio. Já não representa o modelo absoluto de leis fundamentais para alavancar a democracia moderna. Não obstante, o grande mérito da Constituição americana foi a de servir de modelo jurídico para o mundo durante mais de 200 anos. A revista Time demonstrou que, em 1987, dos 170 países que existiam no mundo, mais de 160 escreveram suas constituições tendo a carta americana como arquétipo e padrão.
Depois do final da Segunda Guerra Mundial (1945), a Constituição Americana começa a perder terreno e entre 1980 e 1990 entra num declínio surpreendente. Hoje, poucos países, dos 188 existentes, chegam a pautar seu ‘armamentarium’ jurídico tendo como base a Constituição da América do Norte. Alguns problemas estão na origem desta defasagem. O primeiro é que as leis constitucionais americanas ficaram congeladas ao longo de 200 anos, em razão de estarem classificadas dentro das chamadas constituições rígidas (diferente das flexíveis). Sendo rígida somente poderá ser alterada mediante processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis que os de formação das leis infraconstitucionais.
Nem mesmo a famosa Constituição da Iugoslávia chega a ser tão rígida quanto a dos Estados Unidos. Outras nações fazem mudanças constitucionais em forma rotineira em média a cada 20 anos. O segundo problema é que os direitos garantidos pela clássica constituição americana estão em defasagem com o Direito Público (ou com os direitos mais populares). Reconhecem-se os direitos, mas não estão amplamente protegidos, como a questão do julgamento rápido e público. Aquilo que um crítico constitucional denominou de ‘garantia no papel’.
O terceiro problema é que o documento constitucional Norte Americano pode estar representando um reflexo ou uma parte de um suposto ou verdadeiro declínio geral do poder e prestígio dos EUA. O teor e a ideologia das constituições no mundo também são reflexos da hegemonia política e econômica desenvolvidas pelos países.
De qualquer modo, é possível interpretar como um dos atributos positivos da rígida Constituição dos Estados Unidos o fato de pertencer às constituições ditas sintéticas (ou seja, com menos de 100 artigos). Ao contrário, a Constituição brasileira de 1988 é classificada como analítica ou prolixa (com 250 artigos e 70 disposições transitórias), pois, tomaria para si o encargo de analisar temas que não necessitariam ser tratados no bojo constitucional (como a criação de Colégios de ensino médio).
Neste contexto, surge, no mundo contemporâneo uma nova superpotência constitucional: a Carta Canadense de Direitos e Liberdades, adotada em 1982. É uma Constituição mais expansiva, porém, menos absoluta que a dos Estados Unidos. Procura garantir todos os direitos fundamentais e enfatiza as chamadas ‘Ações Afirmativas’, exigindo que as pessoas sejam constantemente informadas sobre seus direitos.  
Nesta Constituição Canadense valoriza-se a tradição, pois, mesmo um sistema monárquico arcaico pode ter resultados positivos e de vanguarda quando há vontade e compromisso com o bem da comunidade e com a democracia. Valoriza-se a meritocracia, em detrimento do patrimonialismo – que reina, por exemplo, no modus vivendi sul americano. A constituição canadense, longe de dar valor o paternalismo, enfatiza a adultidade (para usar uma expressão de Kant). Ou seja, é um conjunto de leis na qual os cidadãos são tratados como adultos e se confia que farão o correto.
 
      
                             

O autor é Mestre em Ciência Política e professor da UEPG

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