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Família: entidade sagrada e conflituosa

A família é a única entidade realmente sagrada na sociedade moderna, aquela pela qual todos nós aceitaríamos morrer, se preciso – palestrou em Curitiba Luc Ferry, filósofo, ex-ministro da Educação da França e autor de vários best-sellers. E prosseguiu afirmando que o homem destemidamente arriscou a vida no passado por três grandes causas: por Deus, pela pátria ou por uma ideologia.

Simbólica é a apologia da mãe espartana cujos três filhos haviam partido para os campos de batalha. Quando soube do retorno das tropas, a mãe acorre ao portão de acesso à cidade, quando um soldado, ao reconhecê-la, tenta confortar:

– Mãe, é com pesar que informo que seus filhos pereceram heroicamente em combate… Ao que a mãe retruca: – Quem disse que estou aqui para recepcionar os meus filhos… Quero saber se Esparta venceu! Hoje, pelo menos no Ocidente, ninguém mais aceita morrer em batalhas religiosas, guerras nacionalistas ou conflitos revolucionários.

Isto posto, e bem posto – a família como entidade sagrada e de acolhimento –, há a outra face desta moeda. É paradoxal, mas quando se convive com zelo e paixão alternam-se, de um lado, alegrias, muitas alegrias e, de outro, desavenças, conflitos. A sabedoria milenar chinesa ensina que nenhuma família pode ostentar em frente à sua casa uma tabuleta: Aqui não temos problemas.

Tolstói, que através de seus personagens mergulha fundo em todos os recantos da alma, com suas mazelas e valores, ao descrever a atormentada Anna Karenina, que a despeito de ter tudo – beleza, riqueza, fama, um bom marido e um filho amado – mesmo assim sente-se vazia até encontrar quem a desgraça: um fogoso oficial russo com quem tem um caso extraconjugal. E o autor conclui: Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira.

A família é um laboratório para a vida adulta do nosso filho, desde que se lhe propicie um ambiente com afeto, tolerância, valores. Um ambiente salutar e rico, como um templo da argumentação, do convívio com o diverso e com o adverso. É na família que cada membro se desnuda e revela suas fraquezas. No entanto, é solo fértil para o cultivo das virtudes. Para Platão, a grandeza do ser humano está na virtude – aretê, em grego – e é ela que o faz nobre e superior.

Numa pesquisa patrocinada pela Gazeta do Povo, a família ficou em 1º lugar como principal ingrediente da felicidade. Bem distantes aparecem em ordem: saúde, amor, filhos, dinheiro, amigos, carreira, diversão, sexo, viagem, religião. No decorrer dos séculos, a visão do que é felicidade foi se alternando entre poder, fama, dinheiro, religião, abundância de alimento. A única que permaneceu constante foi a família.

E no mundo hodierno, complexo e diverso, entenda-se como família não necessariamente o modelo tradicional e hierárquico – pai, mãe, filhos –, mas sim pessoas nutridas por vínculos afetivos e, amiúde, com atitudes altruístas e desprendidas. Apesar das desavenças.

 

Jacir J. Venturi, professor, autor de livros e vice-presidente do Sinepe/PR

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