Fabio Aníbal Goiris
A cada eleição em qualquer lugar do planeta vem à tona um tema recorrente e que defende um axioma: as ideologias sejam de esquerda ou de direta já não existem mais. Este postulado, além de falso, procura distorcer a realidade aos olhos do eleitor. O realismo político nos impõe o entendimento de que a existência das políticas públicas e a própria condução da política pelos governantes estão baseadas, justamente, na ideologia que suporta esses processos. Os principais responsáveis por difundirem aquele conceito distorcido e famigerado do fim das ideologias são os representantes da direita conservadora. A pergunta é: por quais razões a direita conservadora insiste em fazer crer ao eleitor de que não existe mais nem direita e nem esquerda?
Sob o manto do discurso do fim das diferenças (ou das ideologias de esquerda e de direita), esconde-se uma tentativa de sepultar as duas posições, certamente polarizadas. A direita conservadora insiste na demonização dos extremos (esquerda e direita) e, com isso, faz ressurgir o discurso do centro (aquele movimento em cima do muro e sem ideologia nenhuma defendido outrora por FHC). Ou seja, há um sofisma relativamente elegante, subjacente a tal proposição do fim das dicotomias ideológicas: se A e B são diferentes (e polarizadas), o sucesso para o mundo poderá vir juntando esses extremos (A+B). Outra proposta anti-ideológica (e também antidemocrática) da direita conservadora é que as distinções (esquerda e direita) irão acabar pelo desaparecimento de A, de B, ou de ambos. Sherlok Holmes diria Elementar meu caro Watson, ou seja, o que a direita conservadora quer é a extinção dos valores ideológicos e das propostas programáticas da esquerda.
Mas, as tentativas de extinguir as ideologias políticas já é um velho estratagema da direita. Em 1959, o sociólogo conservador Daniel Bell escreveu um livro intitulado The end of ideology, em que resgata a tese de alguns intelectuais de Harvard e denuncia o esgotamento das ideologias frente ao sucesso do capitalismo liberal e do fracasso do comunismo. Mais recentemente, em 1989, a revista americana National Interest publicava um ensaio teórico de Francis Fukuyama intitulado The End of History and the last man (O fim da história e o último homem) no qual o autor tecia loas a respeito da vitória final, definitiva e teleológica do liberalismo econômico sobre todas as outras ideologias (especialmente sobre as ideologias da esquerda). Se tudo isto fosse verdade, do ponto de vista prático, a França não teria escolhido como presidente o socialista François Hollande (que irá governar com nada menos do que 307 deputados socialistas) após derrotar o direitista e conservador Nicolas Sarkozy.
Pode-se concluir, parafraseando o brilhante historiador inglês Perry Anderson, que essa teoria do fim das ideologias, propugnada pela direita conservadora, tende a subestimar a capacidade transformadora e criativa dos homens. Enquanto houver um pensamento crítico que não se contente com a aparência dos fenômenos históricos e se inquiete em desvelar a essência contraditória da realidade social, aberta estará a possibilidade da emancipação e transformação do mundo.
O autor é cientista político e professor da UEPG