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As veias abertas do campo paraguaio

            Fabio Anibal J. Goiris

 

 

      A causa fundamental da grave crise política do Paraguai é a ausência de reforma agrária. Desde a longa ditadura do general Stroessner (1954-1989), aliado do Partido Colorado, jamais houve reforma agrária e nem mesmo a mais tímida revolução burguesa. A elite dominante sempre se mostrou indiferente ao problema da terra no Paraguai. O resultado é a existência de una classe subalterna sumida na miséria e no desamparo.

            Há uma ‘luta de classes’ que se trava entre, por um lado, o atávico patrimonialismo que inclui latifundiários, o empresariado e a grande imprensa aliado certamente ao Estado burguês e, por outro, um povo que fora abandonado por esse mesmo Estado burguês e que já não suporta o peso do ‘capitalismo tardio’. Fernando Lugo não é, pois, o iniciador/instigador desse longo processo de luta entre dominantes e dominados, ao contrário, durante o seu governo os campesinos vêm tendo a rara oportunidade de reivindicar seus direitos de acesso à terra, que foram negados e escamoteados durante as longas ditaduras que jamais atinaram para a solução do problema da terra.

            Contudo, saliente-se que o presidente Lugo também apresentou titubeios e inseguranças para tomar decisões, além de demonstrar pouca familiaridade com a dialética e a diplomacia políticas, especialmente no trato com o partido liberal, seu aliado. Lugo assumiu o governo após 60 anos de governo colorado e enfrentou-se à atávica idiossincrasia que envolve o pensamento conservador e a tradição oligárquica patrimonialista que, além de se manifestar ideologicamente no próprio Parlamento, vem perpassando grande parte da sociedade civil paraguaia. A sua destituição do cargo de Presidente obedece à combinação daqueles processos.      

            Pode-se concluir que o Paraguai não conseguiu construir ao longo da sua história ‘intelectuais orgânicos’, para usar o conceito de Gramsci, ligados às classes subalternas. O poder coercitivo da elite dominante excluiu em forma peremptória o papel democrático que caberia àqueles intelectuais e à própria esquerda democrática. Há um predomínio impressionante de intelectuais orgânicos ligados à classe dominante. Este processo adverso para a democracia tem influenciado poderosamente o pensamento da classe média urbana que com facilidade assume posturas conservadoras e se posiciona contra humildes campesinos. A imprensa conservadora e autoritária, por seu lado, pouco esclarece ao cidadão comum sobre o papel desagregador do conservadorismo e do patrimonialismo usurpador. Por fim, somente a continuidade do processo de mudanças sociais e políticas poderão cicatrizar através do tempo as veias abertas do campo paraguaio.

                                   O autor é cientista político (UFRGS), professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa, UEPG e autor do livro: ‘Paraguay: Ciclos Adversos y Cultura Política’, 2004.

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