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Angelina Jolie, mutação genética e tropeirismo

Fabio Anibal Goiris

O mundo inteiro foi tomado de surpresa quando a atriz Angelina Jolie escreveu um artigo no jornal americano The New York Times onde anunciou ter se submetido a uma mastectomia dupla para reduzir suas chances de desenvolver câncer de mama. Ela disse que os médicos estimaram um risco de 87% de desenvolver câncer de mama e de 50% de ter câncer de ovário. Angelina apresentou uma falha do gene BRCA1 (‘breast cancer 1, early onset’) que é um gene humano supressor de tumor. As variações do BRCA1 levam ao risco aumentado de câncer de mama.

                O grande dilema que surge é o seguinte: existiriam regiões do mundo (ou do Brasil) onde as falhas e mutações do gene do câncer de mama, entre outros tipos de câncer, são mais prevalentes? Uma tentativa de responder a esta pergunta foi dada pela professora Maria Isabel Waddington Achatz, médica carioca e diretora do Departamento de Oncogenética do Hospital do Câncer A.C. Camargo, de São Paulo. Segundo a pesquisadora mais de 300.000 brasileiros das regiões Sudeste e Sul trazem na sua carga genética a chamada ‘Síndrome de Li-Fraumeni’, uma afecção que altera o gene p53 (um supressor de tumores), abrindo caminho para o aparecimento de vários tipos de Cânceres. Os números são o desdobramento de uma pesquisa publicada em 2007 na revista ‘Cancer Letters’.

                Maria Isabel e sua equipe monitoram 141 pacientes no Brasil e a alta taxa de prevalência de câncer de mama é uma particularidade das regiões Sul e Sudeste do país.  Segundo a pesquisadora a alteração se explica por uma mutação que teria ocorrido em um brasileiro no século XVIII. O mapa de desenvolvimento da doença leva a crer que um tropeiro que fazia rotas ligando o Sul ao Sudeste tenha passado a doença para seus descendentes. De acordo com pesquisadores estrangeiros mutações desse tipo não são comumente vistas em outras populações. Um caso semelhante no mundo teria ocorrido com os judeus asquenazes (nome dado aos judeus provenientes da Europa Central e Europa Oriental) que teriam desenvolvido algumas doenças típicas pelo fato de terem casado entre eles durante vários anos. Mas, no caso dos tropeiros é diferente visto que não envolveria diretamente casamentos endogâmicos, ou seja, matrimônios dentro do mesmo clã. Trata-se então de uma rara doença hereditária e que resulta no aparecimento de uma maior propensão ao desenvolvimento de tumores malignos.

                Por fim, indivíduos com as falhas no gene p53 poderiam ter 90% a mais de chance de desenvolver tumores. Esta circunstância levou Angelina Jolie a realizar uma mastectomia dupla e, quem diria, levou também o histórico e glorioso tropeiro – que na construção do progresso atravessava com cavalos e mulas os Campos Gerais – a permanecer no centro de uma polêmica que já pode ser considerado um problema de saúde pública.

O autor é cientista político e autor do livro: ‘Estado e Política: A história de Ponta Grossa, Paraná’, publicado em 2013.

 

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