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A vanguarda do atraso

Wanda Camargo

 

Ainda não tendo resolvido a contento uma questão milenar, o que é a verdade? temos a pretensão de estabelecer o que seria politicamente correto. O princípio que norteia essa moda é bem intencionado, combater preconceitos e injustiças por via do expurgo de expressões que poderiam ser ofensivas a determinados grupos. Se a prática é eficaz na redução de alguns abusos e exageros reais, e que devem ser realmente banidos, resulta inócua e até ridícula quando se propõe eliminar de nossa vida todos os pensamentos, palavras e até mesmo manifestações humorísticas que não guardem estrita concordância com o pensamento único vigente.

Um dos maiores perigos para a liberdade é essa ideia de que possa existir um pensamento único, sonho de dez entre dez candidatos a tiranos. Não é possível um único pensamento, ponto de vista ou opinião pela razão muito simples de que não existe uma única pessoa; nós mesmos temos diferentes ideias em face de novas informações, circunstancias ou maturidade, como podemos esperar que ninguém mais o faça? 

Outro erro fundamental do politicamente correto é a ingenuidade de supor que se elimina algo odioso fantasiando que não existe. Um preconceito que deva ser combatido necessita primeiro ser conhecido, esmiuçado em sua gênese e consequências, definido claramente do ponto de vista psicológico e legal e então, se couber, incluído no rol das coisas a ser inibidas ou proibidas. Não basta o simples expurgo de palavras ou de atitudes que não nos agradem; tenhamos em mente a afirmação de Rosa Luxemburgo de que liberdade é quase sempre a liberdade de quem discorda de nós. Tendemos à crença, de modo inconsciente, que nossa verdade é única e definitiva, e consideramos os discordantes equivocados ou mal intencionados.

As palavras existiriam, em tese, para comunicar o que pensamos, mas são usadas com frequência alarmante para esconder o pensamento, para enunciar conceitos fátuos e pré-fabricados que tem grande aceitação e poucas consequências sociais. Convivemos com questões gravíssimas como a exploração sexual infantil, a criminalidade, a superpopulação carcerária, os maus tratos aos animais. Para cada situação temos um discurso repleto de boas intenções, e geralmente nossas ações encerram-se no discurso; qual a proposta real de nosso país para dar oportunidade a essas crianças que vivem da prostituição saírem dela? O que se faz de concreto pela segurança pública? Qual de nós não acha que lugar de criminoso é na cadeia? Quem se importa mesmo com pessoas e animais que vivem em nossas ruas?

Vemos surgir novas famílias, com estrutura totalmente diferente da tradicional, ligadas por outro tipo de laço, fingimos entender, é tão mal educado ficar encarando, não é mesmo, mas no fundo ficamos chocados e com muita dúvida sobre a viabilidade deste modelo tão distante do convencional. Exceto quando dentro de nosso meio mais próximo, o que nos força real compreensão – ou rejeição.

Mesmo em ambientes teoricamente mais intelectualizados, como os universitários, onde impera o belo enunciado, é impressionante a camada mais reacionária que desponta assim que lascado o fino verniz de erudição.

É delgado o extrato civilizado, revelando logo abaixo da epiderme o rude e o grosseiro: o ministério do turismo que endossa um evento suspeito de ser promotor da prostituição, o professor que prefere os rigores da lei à possibilidade do afeto, a pretensa vanguarda proferindo chacotas sobre comportamentos fora dos padrões.

É longo o aprendizado até que o politicamente correto seja apenas o correto.

 

A autora é educadora e Assessora da Presidência das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.

 

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