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“Perto do ponto zero”, por J.R. Guzzo

Por J.R. Guzzo

O Brasil acaba de criar um princípio revolucionário no campo do Direito Público: a Constituição, de acordo com essa novidade, pode ser inconstitucional. É o que resulta da decisão do STF que proíbe a redução de salários dos funcionários públicos brasileiros, mesmo durante uma situação de emergência extrema como a atual, e sob qualquer fórmula administrativa de cálculo.

E se essa possível redução vier acompanhada da redução das horas de trabalho que o servidor tem de dar diariamente ao público? Nesse caso não haveria diminuição salarial nenhuma, não é mesmo? Quem ganha menos ao trabalhar menos está, na aritmética, ganhando exatamente a mesma coisa. Não senhor – também não pode.

Ficamos da seguinte forma, então: os cidadãos brasileiros, por decisão judicial, são desiguais perante a lei. É isso mesmo, exatamente. É legal reduzir o salário de todas as pessoas que trabalham na iniciativa privada, sem nenhuma exceção, como ocorre na presente epidemia da covid-19.

É ilegal reduzir o salário de qualquer das 12 milhões de pessoas que trabalham no setor público, também sem nenhuma exceção. O que se vai fazer, então, com o artigo 5º. da Constituição Federal? Está escrito ali o seguinte: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".

Mais claro que isso não é possível; em nenhum lugar está escrito que pode haver distinção de natureza salarial, por exemplo. Como o STF decidiu que é inconstitucional reduzir a remuneração dos funcionários públicos, só dá para chegar a uma conclusão: o artigo 5º da Constituição é inconstitucional.

É nisso que dá viver em sociedades que deixam de ser governadas por leis e passam a ser governadas por pessoas, como é o caso do Brasil de hoje. Os direitos do cidadão e as liberdades civis começam a depender dos desejos, interesses e caprichos dos que mandam – passam a não valer nada, na verdade, pois o que não vale para todos por igual, e durante o tempo todo, é uma contrafação da democracia. Nenhuma nação é verdadeiramente livre se não colocar o império da lei acima de tudo. O Brasil não faz isso.

O que está acima de tudo, aqui, é a vontade de onze magistrados que não foram eleitos por ninguém, e que estão no galho mais alto do poder judiciário, e de mais meia dúzia de políticos que operam não como atores legítimos do poder legislativo, e sim como chefes de gangue. A consequência é o que se vê aí todos os dias: um país intoxicado pela utilização velhaca do poder, o tempo todo, para defender os direitos de uns através da negação dos direitos dos outros.

Virou um fato da vida, aceito com conformismo, covardia ou má fé pelas elites intelectuais e seus subúrbios, que os ministros do STF escolham livremente, e sem dar satisfação a ninguém, quais das 77 garantias fundamentais estabelecidas pela Constituição Federal devem ou não devem ser aplicadas.

No momento, por exemplo, acham que não está valendo a regra que garante aos advogados de um acusado o acesso a todos os documentos do processo judicial; só mostram o que o ministro fulano de tal deixa. Em compensação, os ministros atribuem a si mesmos direitos que não estão previstos em lugar nenhum da Constituição, com o de fazerem, eles próprios, um inquérito policial.

Da mesma forma, os direitos do cidadão a ter sua voz ouvida pelo Congresso foram anulados pelos presidentes do Senado e da Câmara – eleitos com uma quantidade miserável de votos, por conta das depravações de um sistema eleitoral suicida, mas habilitados a colocar em votação só os projetos que interessam a eles e a seus clientes.

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