Levantamento inédito da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da Terra de Direitos, entre 1 de janeiro de 2019 e 6 de novembro deste ano, foram mapeadas 49 manifestações racistas proferidas por políticos, membros do alto escalão do governo e integrantes do sistema judiciário.
Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (20), Dia da Consciência Negra. Dos casos mapeados, em apenas 20 foram iniciados procedimentos de apuração dos fatos, mas nenhum deles resultou em responsabilização dos autores. Foram manifestações como: “Racismo é algo raro no Brasil”, proferida pelo presidente Jair Bolsonaro, em programa de TV, ao se defender da acusação de racista.
Outra, feita pelo procurador do Ministério Público do Pará, Ricardo Albuquerque, feita durante evento de estudantes diz: “Não acho que nós tenhamos dívida nenhuma com quilombolas (…) problema da escravidão aqui no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar”. Nesse caso, o Conselho Nacional do Ministério Público arquivou o pedido de abertura de processo administrativo disciplinar contra o procurador.
Aumento de 106%
Na comparação entre os dois anos, o número aumentou 106%, saindo de 16 manifestações em 2019, para 33 casos este ano. O mapeamento não incluí casos que configurassem injúria racial. O resultado do levantamento foi lançado nesta sexta-feira (20), Dia da Consciência Negra.
Foram identificados, no levantamento feito a partir dos principais veículos de comunicação do Brasil, cinco tipos principais de discursos racistas: Reforço de estereótipos racistas (18 casos); Incitação à restrição de direitos (15 casos); Promoção da supremacia branca; Negação do racismo; e Justificação ou negação da escravidão e do genocídio.
Entre os autores, o presidente da República e deputados estaduais proferiram 12 discursos cada, seguidos por cargos de direção e assessoramento do governo federal, como ministros, secretários e presidentes de autarquias, com 11 manifestações racistas. Na sequência, deputados federais (6), vereadores (5) e membros do sistema de justiça, juízes e procuradores (3). Quanto ao gênero, 96% dos discursos foram feitos por homens.
Formadores de opinião
“Essas autoridades são formadoras de opinião pública e deveriam cuidar dos direitos e das pessoas. Esses discursos só reforçam os índices de violência contra pessoas negras e quilombolas. Vivemos permanente ameaças aos nossos territórios e às nossas vidas. Vivemos em constantes conflitos e desrespeito quando não nos garantem acesso à saúde, educação e infraestrutura para ir à cidade”, analisa Célia Cristina Pinto, coordenadora executiva da Conaq.
Segundo a pesquisa, a incitação ao ódio racial serve, pelo menos, a dois propósitos: negar ou diminuir a dignidade de pessoas e grupos, utilizando estereótipos negativos para marcar todo um grupo, retirando-lhes a subjetividade e promovendo ideias acerca da sua inferioridade; e desencadear hostilidade e violência contra os grupos e pessoas discriminadas.
“O Brasil é um país que se orgulha de ser diverso, mas mata sua diversidade. Racismo é crime e racistas são criminosos. Precisamos combater esse crime que não tem como alvo apenas uma pessoa, mas os 56% de brasileiros que são pretos ou pardos”, defende a co-fundadora da Conaq e professora da UNB, Givania Silva.
O mapeamento completo pode ser acessado aqui.